ÁREA Q

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Em toda a história do cinema brasileiro, apenas 32 filmes são catalogados como ficção científica. Destes, apenas 12 podemos classificar como obras pertinentes ao gênero - os demais são comédias, paródias e chanchadas.

De "O 5º Poder" (1962), de Alberto Pieralisi, que trata do efeito das mensagens subliminares em uma trama política, passando por "Brasil Ano 2000" (1969), de Walter Lima Jr., "Quem é Beta?" (1973), de Nelson Pereira dos Santos, "Paralelo 88: O Limite de Alerta" (1977), "Abrigo Nuclear" (1981), de Roberto Pires, a animação "Cassiopéia" (1996), de Clóvis Vieira, até ao mais recente, "Aquária" (2004), de Flávia Moraes, nenhum trata de contato com extraterrestres. O primeiro filme brasileiro a tratar do tema, "O Homem das Estrelas" (1970), dirigido pelo francês Jean-Daniel Pollet, acompanhava um alienígena que, com a capacidade de viajar no tempo, conhece vários personagens históricos, do Brasil Colônia a década de 1970.

"Área Q", coprodução brasileira-estadunidense dirigida pelo carioca radicado nos EUA Gerson Sanginitto, é a primeira película a tratar de contatos imediatos no cinema brasileiro, tendo como intenção chamar a atenção para as ações danosas do homem ao seu planeta.


O filme de Sanginitto trafega pelos temas de dois clássicos do gênero, "O Dia em que a Terra Parou" (a versão de 1951, dirigida por Herbert Wise, e de 2008, de Scott Derrickson), e "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), de Steven Spielberg.

No caso das versões de "O Dia em que a Terra Parou", alienígena chega à Terra com a forma humana e procura obter contato com os governantes a fim de alertá-los sobre os perigos que ameaçam o planeta e da possibilidade de interferência de seres superiores.

Na obra de Wise, feita à época da guerra fria, o perigo era a ameaça de uma guerra nuclear; no segundo, a devastação ecológica.

No primeiro, prepondera uma mensagem pacifista, no segundo, o alienígena, comportando-se como um deus, revoltado com a arrogância dos governantes, quase chega a eliminar a raça humana através de pragas de dimensões bíblicas. "Área Q" traz para si todas essas abordagens das duas películas. A produção cearense condensa, de maneira harmoniosa e inteligente, estas abordagens. No entanto, não seria correto desconhecer que "Área Q" tem problemas de montagem e erros de continuidade. Mas, todos os filmes têm erros de continuidade e, felizmente, esses são problemas menores, os quais não afetam diretamente a qualidade da obra.

Por isso, são maiores as qualidades de "Área Q", no qual, ressalte-se, reside o seu principal objetivo: transmitir uma mensagem pacifista. Ou seja, o filme se apropria de temáticas já conhecidas do gênero, mas tem a inteligência de ampliá-las para além da condição humana, transportando-a para um sentido cosmológico, com a inserção de um brilhante desfecho.

O roteiro de "Área Q", apesar dos deslizes de alguns diálogos e situações, é a sua maior virtude. Julia Câmara e Gerson Sanginitto construíram um enredo em que o cenário místico e as formações rochosas de Quixadá e Quixeramobim (mais propriamente a Pedra da Gaveta) transmitem um aspecto de segredos e mistérios quando enfocadas pela câmera de Carina Sanginitto, remetendo a uma espécie de Roswell à brasileira.

É elogiável, também, a forma como o enredo se desenvolve sem entregar a sua real intenção de "pegar" o espectador e impactá-lo. "Área Q" lembra ainda um outro filme de ficção científica, o subestimado "Presságio" (2008), de Alex Proyas, no qual o homem recebe mensagens de que o planeta passará por uma renovação e a humanidade será extinta. Diferentemente do desfecho devastador desta surpreendente obra de Proyas, "Área Q" segue em direção oposta, abrindo espaço para a renovação da humanidade.

Ainda no campo da ficção científica, outra qualidade é a introdução da "bolha cósmica", raras vezes lembrada como instrumento da ficção científica, e que aqui serve como meio de "transporte" (e teletransporte) para o personagem João Batista, vivido por um ótimo Murilo Rosa. O interior da bolha mostra-se tão fascinante quanto o interior da nave mãe na reedição de "Contatos Imediatos do Terceiro grau". Tratando com seriedade um tema difícil e sem tradição no Brasil, "Área Q" abre uma porta interessantíssima para a ficção científica no cinema nacional. Aposta em um desfecho reflexivo, que evidencia não estarmos a sós no universo. Um belo filme que deve ser conferido.

PEDRO MARTINS FREIRE
CRÍTICO DE CINEMA

FONTE: Ficção científica revista - Caderno 3 - Diário do Nordeste

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