Vítimas de preconceito, os wiccanos mostram que tudo que querem é a harmonia global - por Isabela Romitelli

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Engana-se quem pensa que o universo bruxo está restrito aos livros de ficção de J.K.Rowling. Longe de Hogwarts, aqui no Brasil cresce o número de adeptos da religião Wicca. Diferentemente dos praticantes da bruxaria tradicional, com todas as suas acusações de malefício, os bruxos modernos podem ser encontrados em várias cidades mundo afora. Devido à pequena proporção que o grupo ainda apresenta, a Internet tornou-se o principal veículo de contato e troca de informações entre os membros da comunidade wiccana. Na rede, é possível encontrar diversas comunidades destinadas aos wiccanos, como a página da UWB (União Wicca do Brasil) no Facebook.

História e caracterização

O termo “Wicca” deriva das palavras inglesas “witchcraft” ou “wiccian”, ou seja, bruxaria. Acredita-se que a denominação tenha se consolidado com a publicação das obras de Aleister Crowley (1875-1947) e Gerald Gardner (1884-1964) entre 1930 e 1940. A Wicca é uma religião pagã derivada das tradições e crenças das comunidades europeias pré-cristianismo.

Acredita-se que a wicca seja a religião mais antiga do mundo, já que foram encontradas na França pinturas rupestres do período paleolítico que representavam o culto dessa religião. Porém outros acreditam que a Wicca foi formulada na Inglaterra durante a década de 1950.

A Arte dos Sábios, outra denominação dada a religião wicca, é considerada uma religião de princípio monista, culto dualista e crença politeísta. Sua proposta é a harmonia e o respeito entre todas as formas de vida. Assim, criou espaço para uma ecologia sagrada e o diálogo inter-religioso com outras formas de espiritualidade. A religião é formada por várias seitas ou “tradições” como a Gardneriana, Alexandrina, Diânica, Tânica, Georgiana, Tradicionalista Ética e outras. Acreditam na força dos quatro elementos - “terra, fogo, ar e água” - contidos na natureza que são evocados durante seus rituais.

Os seguidores da religião wicca professam a crença em um par divino, chamados a Deusa e o Deus. O par representa os princípios naturais e, consequentemente, a origem da vida. A Deusa é associada à terra, às águas e à lua, enquanto o Deus é associado ao sol, ao céu, aos animais e à vegetação; princípios opostos, mas ao mesmo tempo complementares.

Diferentemente da tradição cristã, onde a mulher deriva do homem, Ela teria dado origem a Ele e ambos teriam criado o universo e todas as coisas que nele se encontram. Tendo sido a Deusa a primeira, ela tem preeminência sobre seu filho e consorte, o Deus. Por isto, nos rituais wiccanos as posições de destaque e liderança devem ser, tradicionalmente, de uma mulher. “Em minhas pesquisas, o que mais me chamou a atenção foi a existência de uma divindade feminina que é absolutamente fundamental na cosmologia e rituais wiccanos. Também chama a atenção o uso de referências a diversas cosmologias, muitas vezes utilizando-se mais de uma ao mesmo tempo, e uma estrita separação do universo cristão, ao qual os wiccanos que pesquisei se contrapunham, na medida em que afirmavam que sua religião seria anterior ao cristianismo. Não existem templos wiccanos e cada seguidor é responsável por suas próprias práticas, sozinho ou em grupo [covens]”, explica a pesquisadora Andréa Osório.

Apesar de se autodenominarem como bruxos, não há na religião wicca as acusações de malefício geralmente associadas à bruxaria. Este não é um traço apenas da wicca, mas de toda a cultura da Nova Era.

Originada dentro de uma sociedade moderna e desencantada, a Nova Era mesclou crença na magia com a ciência, banindo o malefício. Essas crenças mágicas enfatizam o indivíduo muito mais do que a coletividade, que é a raiz da acusação de malefício. Apesar disso, os wiccanos ainda são hostilizados e vítimas de preconceito, devido à falta de informação sobre sua religião.

Comunidade wiccana no Brasil e no mundo

Durante a década de 50, houve uma grande popularização da Wicca nos Estados Unidos e, em 1970, obteve grande impacto social junto à cultura hippie através de Alexander Sanders (1926-1988), considerado o Rei dos Bruxos (“King of the Witches”).

Em 1990, a wicca não era vista considerada apenas uma questão de crença, mas de envolvimento emocional em cerimônias de celebração às forças da natureza, com uma forte moral positiva, além de ter como base o respeito pelo ser humano e o ambiente.

A doutrina wicca chegou ao Brasil em data imprecisa, através de literatura importada sobre o assunto. Aos poucos, essa literatura foi sendo traduzida para o português e surgiram assim os primeiros autores nativos, como Márcia Frazão e Claudiney Prieto. Frazão escreveu seu primeiro livro sobre sua “condição de bruxa” em 1990. Em nove obras sobre o assuntos, publicadas entre 1990 e 2005, ela faz extensas citações autobiográficas, ensina feitiços, rituais e como ser bruxa. O termo wicca aparece somente em sua segunda obra, sendo banido posteriormente por conta das disputas do universo wicca no país. Após Frazão, muitos outros autores surgiram, alguns com maior visibilidade entre os wiccanos, outros quase desconhecidos.

Atualmente, acredita-se ter por volta de 800 mil adeptos nos Estados Unidos e Grã Bretanha. No Brasil, estima-se que existam entre 350 e 400 mil adeptos, cuja concentração reside em São Paulo e Brasília.

“Segundo o Censo demográfico realizado no ano de 2010 no Brasil pelo IBGE, a religião Wicca e o Paganismo não foram incluídos na relação das religiões existentes no país, desta forma, podemos dizer que muitos dos seguidores das religiões pagãs ou se formos ser mais específicos, da religião Wicca, foram distribuídos entre as tradições esotéricas (74.013 seguidores), outras religiões (11.306 seguidores) ou religiosidade não determinada/mal definida (628.219 seguidores)”, explica o sacerdote Og Sperle, presidente da UWB. “Contudo, sabemos que dentro deste contexto, não há apenas a religião Wicca, mas sendo ela a mais conhecida e presente junto ao diálogo inter-religioso de nosso país, coloca-se como a de maior expressão, conseguinte, a de maior número junto às demais. Neste prisma, podemos fazer um cálculo estimativo e aproximado de que haja em torno de 350 mil à 400 mil seguidores da religião Wicca em nosso país”, adiciona.

O crescimento da religião nos últimos anos está relacionado ao aumento do número de obras de ficção que abordam o universo bruxo, como o fenômeno Harry Potter. “Em sua grande maioria, o que atrai as pessoas para a religião Wicca é o modismo que vem com os filmes Hollywoodianos, ou até mesmo filmes como Harry Potter e outros com temática semelhante”, explica Sperle. Entretanto, essa não é a única forma de contato com a wicca. Uma parcela dos seguidores, geralmente os mais velhos, diz ter ouvido o chamado da Deusa. “Há uma menor quantidade de pessoas, em sua grande maioria na faixa dos 40 e 50 anos, que ouvem o chamado da Deusa, que é uma energia interna e sem explicação plausível, que faz ou atrai estas pessoas para a sacralidade da natureza e a necessidade de fazer parte de todo, e nestes casos, elas acabam encontrando a religião Wicca e se sentem fascinadas e atraídas pela Deusa e deuses pagãos”, esclarece o sacerdote.

Iniciação, rituais e simbologia

O primeiro passo para se tornar um wiccano(a) se refere à “iniciação”, que começa no momento em que o aspirante a bruxo dá início a seus estudos. Após o período de aproximadamente um ano de estudos, destinado a adquirir conhecimento sobre o universo wicca, o novato já estará habituado a participar das cerimônias e a trocar experiências. Cada iniciado recebe um nome secreto (“craft name”). Após alguns anos, ele próprio será um sacerdote e iniciará outros wiccanos, que formarão novos covens (pequeno grupo de wiccanos coordenados por um sacerdote ou sacerdotisa). Também há aqueles que preferem estudar e praticar os ritos sozinhos.

O wiccano baseia seus ritos em rituais pagãos e nos ciclos de força da natureza. Existem dois tipos de cerimônia: o Esbat (relacionado às fases da Lua), cuja intenção é trazer um novo impulso para a consciência, e os Sabás (dias sagrados).

Existem oito festivais celebrados durante o ano: Yule (celebrado no solstício de inverno), Imbolc (2 de fevereiro), Ostara (equinócio da primavera em março), Beltane (1° de maio), Litha (solstício de verão), Lughnasadh (1° agosto), Mabon (equinócio de outono) e Samhain (celebrado no dia de halloween).

A preparação do círculo mágico é a parte mais importante em todo ritual, pois sua função principal é a de reunir o grupo com amor. O círculo pode ser traçado com giz ou carvão, com intuito de proteger dos seus membros. Outras figuras são incluídas como o quadrado, triângulo, pentagrama, entre outros. O pentagrama também é muito importante nesses rituais, pois estando associado ao planeta Vênus, significa que o homem é o complemento simétrico da natureza. O adepto deve trazê-lo sempre junto a si, como símbolo de sua relação entre o reino visível e invisível dos quatro elementos. Durante as cerimônias
os adeptos também devem usar uma vestimenta ritualística que inclui um cordão amarrado na cintura. Como a religião valoriza o corpo acima de tudo, por ser ele o depositário vivo de energias, quando este está desnudo simboliza o abandono da sua personalidade social.

O Código Moral wiccano é muito simples: “sem prejudicar ninguém, realize a sua vontade”. Ou seja, é dada plena liberdade a seus seguidores, contanto que, de forma alguma, não prejudique ninguém. Existem algumas virtudes que são valorizadas no culto wicca, como humildade, compaixão, poder, força, reverência, honra, alegria e beleza.

O preconceito

Há muita confusão quando se fala em bruxaria, pois o preconceito leva os leigos a relacionarem o termo automaticamente à magia negra. Porém, não é este o tipo de magia praticado pelos wiccanos. Eles não cultuam energias malévolas por não serem maniqueístas, mas entendem a ação dos daimons (divindades, espíritos) que para muitos são consideradas como energias do mal. Também não são anticristãos, como muitos acreditam. Admiram Jesus Cristo e têm respeito por todas as vertentes religiosas. Não cultuam o diabo, Lúcifer, Satã, demônios ou qualquer entidade do mal. “Hoje em dia ainda há muito preconceito contra a religião Wicca, por isso participamos ativamente de diálogos inter-religiosos. A maior parte dos casos de intolerância se dá dentro da própria família e no colégio, não apenas através de atitudes individuais, mas como no próprio contexto educacional, onde demonizam a nossa religião e obrigam nossos filhos a fazerem trabalhos de casa ou em aula onde enaltecem as religiões abraâmicas e demonizam as religiões pagãs”, diz Og Sperle.

O preconceito também relaciona-se com o tratamento que a mídia tem dado aos wiccanos. “Ainda há muito preconceito e distribuição de informações errôneas e desconjuntadas sobre a nossa religião, principalmente pela falta de conhecimento por parte da mídia, que ao invés de entrar em contato com a União Wicca do Brasil para buscar informações reais sobre a religião Wicca ou pelo menos validar as informações que já possuem, preferem acreditar no que lêem ou numa pesquisa rasa e inequívoca pela internet”, acrescenta Og Sperle.

Links relacionados:
Conheça a religião Wicca
União Wicca do Brasil

FONTE: Que bruxaria é essa? | WebJornal – Mundo Digital

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