A MISTERIOSA MORTE DO PAPA JOÃO PAULO I

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A brevidade de seu pontificado suscita até hoje especulações a respeito de que teria sido vítima de uma conspiração, algo nada novo na tradição do Vaticano.

Enfarto do miocárdio ou assassinato?

As suspeitas de
envenenamento são amplificadas pelo fato de o Vaticano jamais permitir uma autópsia no corpo santo de um Papa.

Sua saída repentina do cenário daria espaço a setores da Igreja ligados à Cúria Romana, mais empenhados em combater as tendências socialistas então emergentes no clero em vários países. Essa tese ganhou força com a eleição de João Paulo II, um pontífice conservador em relação a diversas questões, como aborto, contracepção e política. De fato, o ainda bispo Luciani desejara ao menos uma revisão das posições tradicionais da Igreja Católica sobre estes temas, consultando-se com especialistas em reprodução humana e com filósofos e pensadores de distintas religiões.

Se Paulo VI teve um relatório médico extremamente preciso quando de sua morte (até mesmo os horários das complicações médicas foram anotados), o mesmo não ocorreu ao Papa Sorriso; seu corpo foi embalsamado imediatamente após o falecimento, e as verdadeiras causas do óbito nunca chegaram ao público. Não é preciso muito esforço mental, portanto, para imaginar as inúmeras especulações surgidas acerca deste trágico evento. Muitas delas foram condensadas em um polêmico livro, do não menos controverso escritor David Yallop, conhecido por sua vigorosa atuação no jornalismo investigativo.

Um dos inúmeros boatos surgidos após a morte de João Paulo I diz que seu pontificado entrara em choque com idéias e interesses da Opus Dei. Durante o funeral, foram ouvidos fiéis aturdidos, que diziam: "Quem fez isso com você?", "Quem o assassinou?", já desconfiando de que a morte do Papa Sorriso não decorrera de causas naturais.

Em Nome de Deus (a morte de João Paulo I aos olhos do polêmico jornalista britânico David Yallop)

O jornalista britânico David Yallop publicou em 1984, após longa pesquisa, a obra Em nome de Deus (In God's Name), na qual oferece pistas sobre uma possível conspiração para matar João Paulo I. A dar-se crédito às fontes de Yallop (que incluem inúmeros clérigos e habitantes da cidade do Vaticano), João Paulo I esboçara, no início de seu breve pontificado, uma investigação sobre supostos esquemas de corrupção no IOR (Istituto di Opere Religiose, vulgo Banco do Vaticano). Logo após eleger-se papa, ele ficara a par de inúmeras irregularidades no Banco Ambrosiano, então comandado por Roberto Calvi, conhecido pela alcunha de "Banqueiro de Deus" por suas íntimas relações com o IOR (o corpo de Calvi apareceu enforcado numa ponte em Londres, quatro anos depois, por envolvimento com a Máfia).

Entre os envolvidos no esquema, estaria o então secretário de Estado do Vaticano e Camerlengo, cardeal Jean Villot, o mafioso siciliano Michele Sindona, o cardeal
norte-americano John Cody, na época chefe da arquidiocese de Chicago e o bispo Paul Marcinkus, então presidente do Banco do Vaticano. As nebulosas movimentações financeiras destes não passaram despercebidas pelo Papa Sorriso. Sem falar em supostos membros da loja maçônica P2, como Licio Gelli (vale lembrar que pertencer a essa comunidade secreta sempre foi e ainda é considerado motivo de excomunhão pela Igreja Católica).

A Cúria Romana como um todo rechaçou o perfil humilde e reformista de João Paulo I. Diversos episódios no livro corroborariam essa tendência: o Papa Sorriso sempre repudiou dogmas, ostentação, luxo e formalidades; para ficar num exemplo, ele detestava a sedia gestatoria, a liteira papal (argumentando que, por mais que fosse o chefe espiritual de quase um bilhão de católicos, não se sentia importante a ponto de ser carregado nos ombros de pessoas). Após muita insistência curial, ele passou a usá-la.

Seria no entanto importante referir que, quando o Cardeal Luciani ascendeu a Papa, o seu estado de saúde encontrava-se já bastante deteriorado.

Segundo Yallop, em 29 de setembro de 1978,
João Paulo I anunciaria a remoção de Marcinkus, Cody, Villot e alguns de seus asseclas – o que poderia deixá-los à mercê de processos criminais. Mas Sua Santidade não acordou para levar a cabo as excomunhões: diz-se que teria sido encontrado pela freira Vincenza, que o servia havia 18 anos e que sempre lhe deixava o café todas as manhãs. Naquele fatídico dia, no entanto, ela ficara espantada com o fato de o Papa não ter respondido ao seu Buongiorno, Santo Padre (Bom-dia, Santo Pai); desde os tempos de padre em Veneza, ele nunca dormira além do horário. Notando uma luz acesa por trás da porta, ela entrou nos aposentos do Papa e encontrou-o de pijama, morto, com expressão agonizante, na cama. Seus pertences pessoais foram de imediato removidos por Villot. Entre eles, as sandálias do papa; no livro, é defendida a hipótese de que estariam manchadas com vômito – um suposto sintoma de envenenamento.

Yallop cita a digitalina (veneno extraído da planta com o mesmo nome) como a droga usada para pôr fim ao pontificado de João Paulo I. Essa toxina demora algumas horas para fazer efeito; Yallop defende que uma dose mínima de digitalina, acrescentada à comida ou à bebida do papa, passaria despercebida e seria suficiente para levar ao óbito. E para o autor de Em nome de Deus, teria sido muito fácil, para alguém que conhecesse os acessos à cidade do Vaticano, penetrar nos aposentos papais e cometer um crime dessa natureza.

Sem se deter na morte de João Paulo I, Yallop ainda insinuou que João Paulo II seria conivente com todas as irregularidades detectadas no pontificado de seu breve antecessor. Outra acusação grave feita no livro era a de que João Paulo II autorizara o financiamento secreto das atividades do sindicato Solidarnosc (Solidariedade) em sua terra natal.

As teorias defendidas por Yallop foram refutadas pelo escritor John Cornwell, também britânico, em seu livro A Thief in the Night (Um Ladrão na Noite). Em diversos tópicos, como o horário e a causa da morte do Papa, Cornwell contesta as afirmações e provas de Yallop e oferece sua versão, mantendo o debate aberto. Os que defendem as teses expostas em Em Nome de Deus afirmam que Cornwell seria ligado a personalidades influentes da Cúria Romana.

A versão oficial da morte

A versão oficial divulgada pelo Vaticano, contudo, diz que o corpo de João Paulo I teria sido encontrado pelo padre Diego Lorenzi, um de seus secretários, enunciando a morte como "possivelmente associada com infarto do miocárdio". Para alguns, João Paulo I teria sido vítima das terríveis pressões características de seu cargo, e que não tendo suportado-as, veio a perecer.

Outra hipótese levantada foi a de que o Papa Sorriso teria sido vítima de embolia pulmonar. De qualquer maneira, sua morte provocou enorme consternação entre os católicos; mesmo sob chuva torrencial, a Praça de São Pedro esteve totalmente lotada quando de seus serviços funerais. Em sua homenagem, seu sucessor adotaria seu nome papal ao ser eleito, em 16 de outubro de 1978.

FONTE: Universitário / Notícias

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