AURORA BOREAL

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Tudo está tão escuro. Escuro e frio. Parece que estou no meu interior. Que irônico... Será que os outros também se sentem assim quando morrem? Nunca parei pra perguntar a eles. Bem, daqui a pouco eu vou acordar nos Elíseos e vai ser tudo do mesmo jeito, pelo que parece.

— Desperte, Camus, antigo Cavaleiro de Aquário, e veja o que o seu destino o reservou. — Posso ouvir o som de constantes trovoadas. Aqui realmente não podem ser os Elíseos. Lá o céu é sempre azul, sempre primaveril. Engraçado. Eu me sinto vivo novamente. Será que não podem deixar descansar um cavaleiro cansado de tantas batalhas pela Terra? O que será dessa vez?

— Por Odin, pelos Aesirs, e por tudo o que já amou em sua consciência, DESPERTE! — Consegui abrir os olhos. Uma bela moça loira, que usava uma armadura brilhante com todas as cores da aurora boreal, que eu conheço muito bem, me olhava com ternura. Que lindo espetáculo de luzes. Ao longe, em outra sala consigo avistar alguns cavalheiros, não tão educados, devorando um enorme banquete.

— Que bom que chegou. Odin teve uma séria discussão com Freya para que você viesse pra cá. Freya certamente queria você no castelo dela, para suas eternas orgias, mas Odin precisa de você. Os deuses precisam que os valorosos guerreiros mortos em combate voltem mais uma vez, para que ajudem na batalha que virá. O Ragnarok.

— Quem é você?

— Sigrdrifa de Nevasca. Uma valquíria de Odin. Estamos viajando juntos há algum tempo, embora eu duvide que vá se lembrar, afinal, você estava morto. — Ela riu. Sua risada era linda. Suas tranças loiras sacudiam, e não dava pra não rir também. Finalmente, depois de tanto tempo, eu pude ver alguma mulher que não fosse Atena. Sinto-me até melhor.

— O que eu farei aqui para ajudar?

— Bom, por enquanto, nada. Deve batalhar todo dia e festejar toda noite até a chegada do Ragnarok.

— Festejar toda noite?

— Até Einherjars precisam de descanso, Camus. E você é um agora. Um dos mais belos, eu diria. As moças que virão à noite certamente também acharão isso. E isso certamente vai causar ciúmes entre os outros Einherjars. E, claro, haverá combates. Mas não há problemas. O poder de Odin ainda zela por vocês, e enquanto não saírem de Asgard, serão imortais, e as pelejas só servirão para aumentar seu poder de combate. E quanto mais aumentarem o poder de combate, mais Odin ficará satisfeito com vocês.

— Einherjar?

— Assim como Atena tem Cavaleiros, Odin tem Einherjars. Você é um dos mais recentes. Temos Einherjars aqui desde antes da Era Cristã. Você é merecedor da runa de Aurora Boreal. Deverá usá-la sempre que entrar em um combate, como prova de que Odin o salvou.

— E Atena?

— Acredite, ela também entrará na guerra. Mas o lugar de Cavaleiro de Aquário já foi ocupado. Então, acho que ela não se importará de você lutar do nosso lado. Ah, e não se preocupe. Atena é nossa aliada nessa guerra. Odin e Zeus são bastante amigos, então, como Atena é a filha preferida dele, não haverá problemas. Nossos inimigos agora são Loki e Hel, que possuem os menos valorosos, porém mais numerosos guerreiros de Niflheim. Fora as bestas de Loki, que aparecerão no decorrer da batalha, ao que nós prevemos. E a batalha está próxima, MUITO próxima. Eu posso ouvir os brados e o clamor da guerra no vento sul.

— Farei meu melhor.

— Logo vejo. Agora, eu devo ir, pois meu pai, Odin, está a me esperar. — Observei-a saindo do salão com uma velocidade incrível e levantar vôo, causando no céu o efeito de um relâmpago boreal. Um lindo show de luzes. Por Atena, que mulher. Espero que Odin não se ofenda em deixar uma de suas filhas na mão de um de seus Einherj... Einhjer... Como é mesmo? Ah, não importa. Está de noite. Espero que ainda pegue um pouco dos festejos antes de amanhecer. Afinal, eu tenho de comemorar por estar vivo, pois não é todo dia que se ressuscita, certo?


Cheguei ao outro salão. Realmente, eu era um dos mais belos Einherjars (lembrei o nome). Eles são feios demais. Todos muito barbados, homens bárbaros da neve que deixavam todos os pêlos do corpo crescerem para se protegerem do frio. Coisa que eu nunca precisei, por meu intenso treinamento. Coisa que eles não mais precisam, mas mantém por costume, aposto. Assim que eu entrei, todos pararam o que estavam fazendo. Um dos maiores deles se levantou e disse:
— O que uma Valquíria faz a essa hora aqui?

— Eu não sou nenhuma Valquíria.

— Olhem, isso, pessoal! É homem mesmo! — Todos riam. Ah, bando de babuínos. Pareciam hienas barbudas. Hábitos imbecis. Sentei-me à mesa para comer um pouco. Eles pararam de rir. Após comer, fui elegantemente cortejado por três moças belíssimas, que me levaram ao meu quarto e lá passaram a noite comigo. Einherjars realmente sabem viver a vida.


Acordei após o meu habitual segundo de sono por noite. Não havia mudado muita coisa. As moças ainda dormiam, afinal, parecia que elas eram somente humanas mesmo. Desci novamente e comi mais um pouco. Gastei a meia-hora antes do amanhecer me alimentando. Ao amanhecer, minha runa me chamava. A equipei em meu corpo e saí do Valhala. Lá fora, havia um cenário de combate típico de lendas. Einherjars combatiam ruidosamente com uma violência enorme. Nunca senti tantos cosmos se colidindo. Senti minha runa clamando pelo duelo inevitável dos dias em Asgard. A runa havia preparado uma surpresa para mim. Assim que eu avancei em cima daquele paspalho que havia me insultado na noite passada, apareceu em minha mão direita um florete, legitimamente francês, assim como eu. Brandi o florete e acertei-o duas vezes com estocadas, o que pareceu tê-lo assustado. Ele veio pra cima de mim dando rápidos golpes com seu machado, que meu florete desviou e aparou, para o espanto do grandalhão. Como já era de se prever, o grandalhão tinha mais língua do que força. Essa luta se estendeu por todo o dia, o que me rendeu alguns arranhões e o respeito dos Einherjars. O grandalhão se chamava Hector. Hector de Fafnir, o dragão. O machado dele brilhava em chamas a cada golpe. Diz-se que o fogo de seu machado pode descongelar até o gelo do zero absoluto. Eu duvido, afinal, não é um bárbaro de meia-tigela qualquer que vai destruir uma técnica de toda uma vida de aperfeiçoamento. Não pesquisei mais nada sobre a vida dele, afinal, do que me interessa saber? Ao menos eu tenho um pouco de respeito por aqui. Agora posso festejar em orgias e banquetes essa noite sem mais problemas.

Só me pergunto uma coisa. E quanto aos outros? E quanto a Milo?

Autor: Ásarthur Rangel Diniz

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