BÁLSAMO

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Milo ouvia algo pesado se abrir acima dele. Ouvia somente, pois abria os olhos e via somente por uma fresta entre algum tipo de tecido onde se encontrava amarrado, imobilizado, por correntes. Via um vazio escuro e sentia um cosmo acolhedor e forte próximo.

De súbito, ouviu um ranger vindo de cima de onde ele estava, obviamente algo hermeticamente fechado.

— Hora de acordar, meu mais novo Escorpião... — Era uma voz segura, acolhedora e materna. Milo sentia-se como se tivesse entrado debaixo de um cobertor quentinho após um dia inteiro deitado na neve.

— Quem é? — Percebera que estava muito úmido e escuro naquele local, mas podia sentir um calor vindo da voz, que ainda não o libertara das correntes nem dos tecidos. Estava nu por debaixo deles, e se sentia amedrontado pela extensão do local.

— Sou Selkis, a Deusa Escorpião. E precisamos nos utilizar de nossas forças novamente. — Milo sentia uma pequena mão desenrolá-lo daquele tecido e sentia algo rompendo as correntes. Quando finalmente pôde ver algo, viu uma mulher morena, com a típica maquiagem egípcia, uma veste creme simples com um detalhe que começava na gola e terminava pouco antes do começo das costas, como uma pequena capa. Tinha uma longa trança perfeitamente bem-feita, com algo que parecia uma presilha em forma de ferrão dourado na ponta curva. Ela movia essa trança como se fosse um de seus membros. Milo estava nu, e isso o constrangeu um pouco, uma vez que, mesmo sendo um cavaleiro, ainda era um cavalheiro. O cosmo dela se mostrava mais poderoso conforme a distância entre eles diminuía. A deusa se aproximou dele, acariciou-lhe os cabelos, abriu-lhe a boca e soprou dentro dela. Milo sentiu seus sentidos se libertarem, um a um, e se fortalecerem com o espírito daquela entidade misteriosa. Então, percebeu que sentia fome. Selkis abaixou a parte superior esquerda de sua veste para deixar seu seio à mostra.

— Venha, Milo. Não tenha medo. — De seu seio vertia um líquido branco e viscoso. Cheirava bem e parecia extremamente apetitoso. Milo não pensou duas vezes. Seus lábios tocaram o mamilo de Selkis levemente e sugaram, sentindo novamente o gosto da vida. Se sentia nutrido, fortalecido e amado. Se sentia pronto para morrer de novo, se precisasse.

— Sugue o máximo que puder, criança. Você era poderoso na vida passada, e será mais poderoso nessa. — Milo se sentia revigorado. — Tivemos sorte, pois Anúbis atendeu meus pedidos e não precisei fazer com que você passasse pelo julgamento. Caso contrário, você seria devorado pelas vidas que você tirou em nome da justiça e da paz. — Milo retirara os lábios do seio da deusa e agora olhava para ela, prestando atenção em suas palavras. — Agora você deverá conhecer seu mestre, aquele que te guiará através do destino do escorpião. Siga por aquela porta, Milo, e lembre-se que estou sempre torcendo para que você possa desfrutar o máximo dessa vida e que possa nos ajudar com a iminente guerra.

— Perdoe-me a ignorância e a falta de cuidado com minhas palavras, mas, que guerra?

— A guerra que iremos enfrentar. A maior guerra de todos os tempos. A guerra que definirá o destino de deuses e homens. A oportunidade de combater os planos malignos de Set e seus lacaios e comparsas.

— E Atena?

— Atena sempre terá combatentes brandindo o seu brasão e defendendo sua causa, e sempre terá os mais numerosos. Portanto, ela foi generosa ao ceder diversos combatentes já falecidos para outros deuses aliados. E ela escolheu a dedo para onde cada um deles iria. Mas agora não podemos nos estender nessa conversa, Milo, minha criança. Seu mestre o aguarda.

Milo atravessou a sala, despedindo-se de Selkis com uma reverência, e adentrou o portal. O que vira do outro lado do portal, no entanto, não era o que esperava. Um corredor dourado, com inscrições que não entendia nas paredes e desenhos de escorpiões indo na sua direção contrária. O sol brilhava forte no fim do corredor, aonde uma escada igualmente dourada fazia Milo forçar a vista. Milo andou até o fim do corredor e subiu as escadas, completamente nu. Descobriu-se em um deserto, então, mas o caminho dourado continuava até uma pirâmide dourada central, que parecia ficar exatamente abaixo do sol. Viu também uma roupa parecida com a que Selkis usava, jogada ao chão. Mas não era um manto. Eram duas peças rústicas, da mesma cor que ela usava; uma calça creme e uma camisa da mesma cor. Trilhava o caminho vestindo essas roupas e descalço, quando de repente sentiu um cosmo se aproximando. Era o cosmo uma mulher de cabelos curtos e loira, trajando uma armadura de couro vermelho, que se aproximava. Era um cosmo hostil. Milo armou a guarda e esperou que ela se pronunciasse ou desse o primeiro golpe, pois não era de sua estirpe que atacasse uma mulher a troco de nada. A resposta dela foi rápida. Ela o surpreendeu fazendo a distância entre eles sumir e fazendo um movimento rápido com a mão, rapidamente bloqueado.

— Quem é você? — Perguntava Milo, tranquilo.

— Carita de Escaravelho Vermelho. É bom que saibas o nome de quem fez seu primeiro teste. — Disse-lhe rapidamente, enquanto tentava inutilmente lhe desferir mais um soco, prontamente bloqueado por Milo, que a imobilizara.

— Você não tem a menor chance de vitória contra mim, Carita. Se quiser que eu poupe sua vida, me leve até o Mestre-Escorpião.

— Supus que me pediria isso. Agora me solte. Você provou ser digno de ser o portador de uma das armaduras de Selkis. Só basta saber se ela irá escolhê-lo. — Ela dizia isso em tom de desafio, o que funcionava para Milo, que estava cada vez mais nervoso com os novos desafios propostos. Eles caminharam em silêncio, até o centro. Lá, ela apontou um dos corredores com escorpiões desenhados.

— Siga até o fim deste corredor, nobre guerreiro, e saberás quando encontrar o Escorpião Negro. Sentirás seu corpo tremer e seu sangue esquentar, seu coração baterá mais forte e poderás sentir o leve perfume de seu veneno incandescente. — Milo partiu, cansado de todo aquele papo. Caminhava rumo a seu novo destino. Caminhava rumo a uma nova missão.

Chegando ao destino indicado, viu uma porta dourada se abrir, revelando um cosmo que identificou de pronto. Era o cosmo que sentia banhando sua antiga armadura de escorpião na primeira vez que a vestiu. Era um cosmo ardente, vivaz e instável. Dentro da sala, havia um homem imponente bastante parecido com ele mesmo. O homem o contemplava e parecia pensar o mesmo. Ele vestia uma armadura de ouro escuro, como se tivesse sido desgastada pelo tempo, mas tinha um brilho iridescente, que fazia parecer que ela entraria em combustão a qualquer instante e revelaria seu brilho de outrora.

— O senhor é o Escorpião Negro?

— Eu tenho muitos nomes por aqui. Se aproxime. Conte-me sua história. — Milo se aproximou, contou-lhe de sua história antes de sua morte e a história de sua morte, e contou-lhe os eventos recentes em relação à Selkis. O homem da armadura negra parecia intrigado com alguns pontos da história, mas se conteve. Após o final da narrativa, ele se levantou e disse:

— Milo, ex-cavaleiro de Escorpião, sou o Ferrão Incandescente, o Mestre-Escorpião dessas terras. Meu nome é Kardia de Escorpião Negro e eu serei seu mestre. — Milo estava frente-a-frente com o homem a quem se espelhara em suas lendas. Não podia crer em seu destino.

— K-kardia? É uma honra, mestre. — Milo não podia conter as lágrimas que vertiam de sua face.

Ajoelhado, em sinal de servidão, só pôde sentir a mão pesada lhe golpeando as costas.

— Levante-se, homem. Temos uma guerra pela frente. — Kardia tinha um estranho brilho nos olhos. Milo não tinha ideia, mas seu mestre sabia por quanto tempo tinha esperado esse momento. O jovem-ancião Kardia virou de costas e pôs-se a caminhar. Atônito, Milo continuava paralisado pelo destino.

— Venha, se quiser honrar o destino que Selkis lhe reservou. — Milo sorriu, seguindo seu novo mestre.

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Autor: Ásarthur Rangel Diniz

FONTE: FFSOL.ORG

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