O ar febril, o chão tremente...
Uma alma só não dá para a visão,
Carece de outra alma a mão firmando
(Na vila, o inferno de Guernica,
Derivado de petróleo, se aprontava.
Muitos haviam cheirado gasolina
E dormiam naquela madrugada)
Revejo a petrolífera invasão
Do cheiro sobre as gentes,
O perigo anunciado,
A venda da gasosa
Que vazava, sem cuidado
(A praça movimentada
Antes das 17 horas.
Mocinhas bascas, em Guernica,
Rendevoavam, sensualíssimas,
Moços as miravam com ardência,
Casais c'os filhos semeavam
Os planos para tranquilo futuro,
Ladrões nos cantos, cachorros doentes,
Homens tementes, abelhas operárias
Com lucros em mente, senhoras pias
A piarem e outras ímpias a erguerem
As saias infladas;
Na Socó, a madrugada ardia sonhos
De moças, moços, velhos, velhas,
Enamorados da vida, enfim,
Com sua luz e sombras,
E pecados, onde mesmo os de ferro
Tombam e se ferem)
Uma só alma não basta pra rever,
Carece de outra alma revelada...
Revejo a agudeza de sonhos-salamandras
A planejar assalto na vila, da vida à caça,
Amontoando leitos altas horas,
Onde o poder deitou, e se aplastrou,
Se ausentando, avaro,
No início da fogueira
Em gozo ignaro
(Quando os aviões nazistas,
Condoreiros com mortíferas rajadas,
Limparam a praça em Guernica,
Os nacionalistas acusaram
Os vermelhos, embora
Todos quase fossem brancos)
Minha alma, relembrando,
Perde o brilho,
Ouvindo tantos prantos
E o demônio os remexendo,
Moças, crianças, em roda enegrecendo,
Em cinza o céu doendo, em uivo eivado
(Entre acordes de ópera
Wagneriana, Hitler
Decidiu lamber a bundinha
De Franco, matando, matando, matando,
E aqui a omissão
Fez o crime tão nefando quanto)
Inábil sou demais para a lembrança
Do que tornou a vila em matadouro,
Intenso como em guerra mundial,
Em seu sofrer de carne
Incinerada,
Em lagos-labaredas
Mal-formados,
Só à visão do inferno
Equiparada
(O quadro de Picasso - Guernica arrasada.
Quem é nosso Picasso? O tempo recordado?)
Um cão formando um só
Bloco-carbono
Com seu último
Latido,
Uma grávida no Tempo-
Espaço Tatuada,
A alma dos barracos
Chamuscada é o joelho
Da cidade agonizando,
Coral de dor em dó
Sobre os desavisados,
Um homem a guardar as próprias filhas
Na geladeira (adrede desligada?),
Mulher a atirar ao rio oleoso
Seus filhos pra salvá-los todos
Do calor excessivo da fornada
Setecentos mil litros perdidos
De gasolina qualificada,
Noventa e três vidas ceifadas
Oficialmente, números com vício
De lucrack...
...O ar febril...o chão tremente....
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