Carta escrita pelo coordenador de Produção Cultural, Daniel Caetano, sobre o Xereca Satânica

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Gente, preciso falar sério sobre um assunto que anda correndo as redes sociais - o tal evento "Xereca Satânica" ocorrido no Puro, em Rio das Ostras, promovido por alunos do curso de Produção Cultural dentro da programação de uma disciplina cujo tema era "Corpo e resistência". Precisa ser um texto um pouco mais longo do que o habitual no facebook, mas é um primeiro esclarecimento, antes que seja necessário dizer o mesmo em canais mais amplos através de abaixo-assinados e etc.

Após um dia de apresentação de seminários e muitas discussões (testemunhei isso, vi a sala lotada), os alunos promoveram uma performance, realizada por um coletivo que se dispôs a vir de MG apenas para isso. É um coletivo que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê- las pensar sobre seus próprios limites (infelizmente não pude estar presente - era minha intenção, mas tive que resolver problemas da exibição do filme que fiz, que estreou no dia seguinte). A performance foi realizada num espaço anexo ao do Campus, na área arborizada do prédio Multiuso. Esse prédio ainda nem sequer foi inaugurado oficialmente, ninguém passa por lá, ali só foram os que quiseram saber do que se tratava a tal "Xereca satânica".

Infelizmente, há pessoas que acreditam que o mundo deve ser moldado à sua imagem e semelhança, sem permitir qualquer espécie de desvio do padrão ou mesmo qualquer espécie de afronta à sua sensibilidade confortável, conformista e preguiçosa. A costura de partes do corpo, inclusive da região genital, não é novidade para qualquer pessoa que tenha lido mais de um parágrafo sobre arte contemporânea posterior aos anos 1970. Sugiro a quem quiser saber mais sobre o assunto que pesquise os trabalhos de pessoas como Marina Abramovic e Lydia Lunch. A performance tinha como um dos objetivos denunciar a constante violência contra mulheres na cidade de Rio das Ostras, onde as ocorrências de estupros estão entre as maiores do país.

O caso é que foram feitas e divulgadas fotos do evento - o que deu a ele uma dimensão política e social que vai muito além dos muros do Pólo, tornando-se tema de blogs sensacionalistas e da imprensa marrom. Estando atualmente na função de chefe do departamento em que esse evento foi promovido, afirmo para quem for necessário que damos apoio total aos promotores do evento, realizado dentro de uma perspectiva acadêmica, a partir de discussões ocorridas nas aulas de uma disciplina. É coisa séria e deve ser respeitada.


Enfim, não vamos aceitar baixaria. A universidade pública é um espaço de estudo e conhecimento que não deve ser censurada por causa de informações deturpadas em blogs e jornais. Pondo os pingos nos is: a artista que realizou a performance estava em plena posse dos seus sentidos e o fez porque quis - não foi a primeira vez; nenhum aluno ou qualquer outra pessoa foi constrangido a fazer nada; nenhum ser humano tem o direito de dizer à artista o que ela pode ou não pode fazer com seu corpo; qualquer tentativa de intimidar o curso, os alunos, os professores ou os participantes do evento será por nós considerado um gesto de censura e assim será denunciado - conforme a constituição brasileira nos garante plena liberdade de expressão; e qualquer pessoa em cargo público que porventura se posicionar contra a performance será por nós inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das Ostras.

E, finalmente, embora não tenham sido feitos "rituais satânicos" e o título do evento fosse essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer censura a atos do gênero. A universidade pública é LAICA, como todo o estado brasileiro. Todos os representantes públicos devem defender o laicismo - caso contrário, cometem o crime de prevaricação. A laicidade assegura a qualquer manifestação religiosa o mesmo grau de respeitabilidade: sejam missas católicas, evangélicas, judaicas, budistas ou satânicas.

Como a internet é o reino dos boatos e as notícias já estão correndo, me parece oportuno tornar esses fatos claros para os representantes eleitos da universidade (como o reitor Roberto Salles ou o futuro reitor, já eleito, Sidney Mello) e para o prefeito da cidade, Alcebiades Sabino - que, serenos e inteligentes, certamente não se deixarão levar por boatos de maus jornalistas ou blogueiros irresponsáveis.

Afinal de contas, lá no Puro precisamos conviver com muitos problemas - alguns bem barra- pesada, como o problema da violência local (estupros e assaltos), outros mais crônicos e típicos de universidades públicas (equipamentos deteriorados, falta de conexão à internet num Pólo do interior, eventuais faltas de água e energia elétrica, falta de salas etc etc etc). Mas não esperem de nós que aceitemos conviver com censura ou com conivência a estupros e violências contra mulheres.

Fonte: https://facebook.com/danielpvcaetano

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