DESENHOS MORTAIS

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Chegaram no dia anterior ao dia dos mortos. Já era a décima terceira casa para a qual aquela família, de treze pessoas, se transferia. 
A família era composta por um casal, Suetônio e Jacira, e por suas 13 filhas, que completaram no dia em que chegaram à nova residência a idade de 13 anos. 
Suetônio era um monstro. Mas ninguém desconfiava do que fazia com as filhas, toda noite. A mãe, Jacira, só pensava em se matar. Mas esse era o limiar de sua manifestação sobre o malfadado ato. Não fazia mais nada. Não agia, só pensava.
Antes de mudar, o casal estudava os terrenos para saber se haviam sido no passado cemitérios indígenas. E então se mudavam.
O fato insólito que ocorria era que nos pisos das casas que alugavam, desde o primeiro dia de mudança, começavam a aparecer retratos das pessoas cujos ossos estavam sob a casa.
Tudo começou quando as filhas completaram dez anos de idade.
Cientistas e outros especialistas e místicos tentaram esclarecer a questão. Por que só nas casas em que aquela família se instalava tal fenômeno acontecia? Tentaram ver se aquelas pinturas podiam ser produzidas por alguém da família. Constataram que não. E o mistério continuou.
A casa passava a funcionar como uma atração turística, vivendo a família do valor que cada visitante pagava, correspondente a uma entrada de cinema. 
Interessante é que toda a família se mobilizava nos cômodos, fiscalizando e guiando.
Isaura, a filha mais esperta, teve uma idéia genial. Como era hábil desenhista, decidiu que iria passar todas as figuras dos pisos dos cômodos para telas a óleo. Comprou telas e tintas e colocou mãos à obra.
Amália, a irmã menos esperta, queria ajudar, mas Isaura achava ela frágil demais, apesar dela possuir um talento que superava o da irmã até, para o desenho de rostos.
Quando Isaura desenhou a última figura, era noite e estava tão cansada que dormiu no canto daquele cômodo ao fim do casarão.
Dormiu o sono dos justos e injustos durante três dias. No momento em que acordou, numa madrugada qualquer, enxergou no piso do cômodo toda a sua família desenhada.
Correu toda a casa e não achou ninguém. Ficou desesperada. No intuito de resolver o enigma, começou a pintar telas, retratando cada membro da família. Pensou que assim poderia lhes ressuscitar, tirá-los daquela espécie de morte. Esperou dias e dias, fechou a casa às visitas, ficou sem tomar banho, e nada sucedeu. Até que teve uma idéia: desenhar a si mesma também numa tela. De repente, a família toda nas telas era a chave.
Depois de duas horas, completou o trabalho. Fatigada,  dormiu na frente da tela que pintara.
Quando acordou, viu o milagre acontecer. Todos reviveram de novo...menos seu pai, que continuou a ser uma vívida pintura a óleo, ladeado de duas figuras estranhas. Os que miravam-lhe a tela tinham a impressão de vê-lo movimentando o nariz para espantar intrometida mosca ou eventual coceira.
Isaura e Amália, vez em quando, retocavam-lhe a pintura, e passaram a entortar-lhe o rosto sadicamente, principalmente depois que notaram pelos seus olhos pintados a intensa dor que sentia. Jacira sorria beatificamente.

Bosch  -  Cristo Carregando a Cruz

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