MAURO O MECÂNICO de natanael gomes de alencar

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Não se despedira de ninguém. Era Natal. Não se despedira. Ficaram esperando que pelo menos essa máscara ele usasse, mas, ele se negava. Uma máscara que tinha sinceridade implícita. O desejo de que ele e família tivessem um bom Natal. Todos afinal gostavam de Mauro. Porém para ele era uma sinceridade que poderia entrar em desequilíbrio se ele passasse a agir de uma forma que eles não gostassem. Ou mesmo se ele entrasse em depressão e deixasse de ser um elo importante na oficina. Trabalhava naquela oficina sempre na dele. Não era de riso fácil. Não era de choro fácil. Não era de beijo, abraço, toque de mindinho, de pés, nem de escrever docilidades. Nascera apenas para existir. Somente a dona da oficina tirava dele algum canto risonho de olho. Não se despediu de ninguém. Todos sabem que voltaria depois das festas. Voltaria sempre na dele. Não era de muitos rapapés. Mas trabalhava, trabalhava, trabalhava. Parecia saber que muito do amor na oficina vinha com o interesse. O interesse do sistema. Então, dava ali o mínimo de sua capacidade de afeto. Mas talvez não fosse isso. Um pai frio, que......Uma certeza absoluta: tinha o amor materno. Desde que apresentara, em pequeno, sinais de autismo ou comportamento aparentado ao dos possuidores de transtorno desintegrativo de infância, os desvelos de sua mãe não deixaram de acompanhá-lo. Tinha baixa estatura, não, não era alta, velho, porém era jovem, branco, vermelho, amarelo, aprendera o sabor do silêncio que há no tempo. Foi aos poucos que começara a desprezar as máscaras. Desde infante, nas festas de família, se tornara coletor das máscaras que caiam ao chão. Coletava-as e queimava-as. Foi deixando por dentro um eu cada vez mais ecarcerado. Queria corresponder ao afeto com afeto mais que mínimo. Mas o eu preso possuía várias lacerações. As paredes eram indestrutíveis. Parecia. Não se despedia de ninguém. Tinha receio dos signos da comunicação. Não ligava para as datas. Não sabia afivelar as máscaras como os demais. Tinha demasiada consciência e orgulho e vaidade de seu pensar. Não percebia a própria arrogância. Mas era bom. Tanto que quando alcançou a avenida, após sair da oficina, sem desejar bom Natal aos colegas, contemplou a mendiga que circulava sempre em determinado ponto na frente da Igreja. Pensou consigo: eu me importo com você. Foi um pensamento importante. Nunca dirigira reflexões para aquele ser. Que era parte do mundo. Como ele. E pela primeira vez sentiu vontade de afivelar a máscara. Uma máscara de bondade inútil ao observado, que era objeto neutro do sentimento distanciado de Mauro, um mecânico insensível a eventual desejo de alterar a engrenagem gasta e desigual.

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