quinta-feira, 19 de julho de 2012

VIAGENS ALUCINANTES


Dizem que um dos maiores problemas do Charlie Kaufman é que às vezes ele quer falar sobre tudo em pouco espaço de tempo. Sexo, drogas, vida, morte, amor, etc., etc., etc. (e até, às vezes, sobre o próprio Cinema) – tudo empacotado numa única embalagem – sendo a mídia utilizada (a Sétima Arte), desta forma, apenas um meio dele externar suas neuroses e idiossincrasias para o Mundo, sem um cuidado com o contorno das suas obras, arremessando-as ao público sem floreio maior. Sem que fique registrado em nossas cabeças que aquele é um filme de Charlie Kaufman.

Mas isso é os outros que dizem, eu não. Mas achei interessante fazer uma ponte entre essa visão sobre Kaufman e Ken Russell. Russell, tal qual Kaufman, adora falar de tudo. Mas diferentemente de Kaufman (ao menos o Kaufman na direção de Sinédoque, Nova York [Synecdoche, New York, 2008]), o que interessa ao inglês é o visual. É o teste à paciência e aos sentidos de quem se presta a ver seu trabalho. É a maluquice insana, mas nem por isso irresponsável. É a total falta de controle sobre seu trabalho. É isso o que lhe atrai e que lhe excita. Qualquer resquício de narratividade em seu trabalho pode, por vezes, soar um acidente – e exemplo é o que não falta. E Viagens Alucinantes representa isso de uma forma total, como jamais vista na filmografia de Russell. Ele encarcera todos os temas que o cineasta tanto preza por abordar em seus trabalhos (religião, sexo, vida e morte e por aí vai) de uma forma que permite uma abordagem mais visual; entretanto, ao mesmo tempo, sua origem linear e sóbria ainda se faz presente. Esse encontro entre essas duas formas de expressão causa um choque brutal no “todo” da obra, comprometendo seu resultado final.

Só que é preciso ser sincero: Viagens Alucinantes nunca foi um filme para Ken Russell. Nascido de um livro de Paddy Chayefsky e adaptado para as telas pelo próprio Chayefsky, o filme nasceu e foi desenvolvido em torno de uma linguagem alheia ao universo de Russell. Por mais deturpado que possa parecer, o filme é muito quadradinho, certinho, cheio de diálogos mundanos e que – ao menos em teoria – funcionam para que a história ande, e Russell é um diretor visual. Comparando mal, imagine Terrence Malick dirigindo um filme escrito por Quentin Tarantino. Não rola, certo? Portanto, com esses dois conceitos de narratividade tão diferentes, a porra toda fica em cheque, e nós não cremos em momento algum em qualquer verossimilhança do filme.

Mas pensando bem, seria forçar demais pedir para que nós embarcássemos na história do filme. O filme está todo errado – e não é apenas no tom, mas sua montagem, seu conceito, seu design de produção, tudinho. Só escapa a fotografia do mestre Jordan Cronenweth (de Blade Runner e Alien), que sabe se comportar de forma certa nas horas certas (sinta a paz e a intimidade que ela confere quando Jessup e sua esposa estão transando pela primeira vez, sendo iluminados apenas por uma crepitante lareira).

O esforço que o filme faz para manter uma coerência é mínimo. Nós iniciamos a história sendo informados que em um sábado de sessenta e sete, o Dr. Edward Jessup resolveu experimentar uma câmara de isolamento, entorpecido por um coquetel de drogas pesadas. Logo somos informados que os efeitos das drogas no cérebro levam o isolado a um estado de consciência em que suas alucinações assumem um aspecto cada vez mais realista, mais assustador. De repente, Jessup começa a se perguntar se suas alucinações não estão se externando.

O modo como Ken Russell quer conduzir sua história é muito insano. Como eu disse ali em cima, o principal problema de Viagens Alucinantes é o erro referente ao tom do filme. Viagens é um filme científico, mas Russell achou que estava fazendo um filme de cunho sensorial – todo o poder de fogo do filme é gasto nas sequências em que as alucinações do Dr. Jessup são visualizadas pelo público – e Russell parecia estar mesmo afoito pra mostrar a Hollywood, logo em seu primeiro filme produzido em solo americano (de dois, o outro é Crimes de Paixão). Com aproximadamente sete minutos de projeção, nós já sofremos um brutal impacto visual. Vemos William Hurt ver uma espécie de Cristo com cabeça de cabra com sete olhos e quatro chifres e o Santo Sudário (sim, o Santo Sudário) sofrer uma espécie de combustão espontânea.

Como é possível perceber, qualquer desculpa é uma boa desculpa para que Russell caminhe para a maluquice total. E se ele se sai bem nisso, o restante fica em cheque: A montagem de Eric Jenkins é sofrível, corrida. Para se ter uma idéia, o filme tenta cobrir dez anos em dez minutos – uma década se destaca da outra em questão de um simples corte.

(Não, sério, a montagem é tão porca que até mesmo a veracidade dos eventos “reais” do filme são duvidosos.)

Mas claro, o filme também tem seus aspectos positivos. O trabalho visual da equipe de FX de David Domeyer é simplesmente fantástico (estamos falando de um ser humano convertendo-se em massa espectral em mil novecentos e oitenta). O som do filme é simplesmente fabuloso (observe como o barulho do registrador de atividade cerebral funciona como assinatura para as cenas que se passam na câmara de isolamento, aumentando a tensão de modo exponencial e funcionando por si só como música para estas sequências) e é impressionante como Russell consegue trabalhar o conceito de drogas sem parecer nem julgar seus personagens. E claro que tenho que falar da ótima atuação de William Hurt como o surtado Eddie Jessup (observe os tiques nervosos que denunciam a condição humana da sua personagem). Outro fator interessante que merece ser citado aqui são a maneira como a visualização das alucinações de Jessup são formadas. Primeiramente elas são mais palpáveis e realistas (como no exemplo do Santo Sudário). Depois, são mais abstratas (como os fogos de artifício na caverna do México). Finalmente, elas são puramente fantasiosas (Jessup se transformando numa espécie de pasta humana).

Só que nada disso salva Viagens Alucinantes do que ele é. Uma tentativa de clímax ininterrupto. E a partir do momento em que vemos William Hurt vestido de macaco saltitando pelas ruas da cidade

— Altered States, 1980
Dirigido por Ken Russell
Com William Hurt, Bob Balaban, Blair Brown, Charles Haison, Thaao Penghlis, Charles White-Eagle e Drew Barrymore

Viagens Alucinantes (Ken Russell, 1980) | Ornitorrinco Cinéfilo

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