terça-feira, 24 de outubro de 2017

DESABAFO (com frases de Nelson Rodrigues)

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Ontem, oito horas, Altamirando, conhecido pelos amigos como Brinquinho-de-Coroa, acabara de chegar ao trabalho. Trabalhava na Prefeitura como Auxiliar de Almoxarife. Até um ano atrás, era raro quem não lhe tirasse sarro. Havia lá até um baixote, o Pequeno FDP, metido a chefe, e sem capacidade para tanto, que não deixava Altamirando em paz. Mas quando sua candidata venceu, há um ano atrás, e ele ganhou um carguinho de chefe, só concedido a funcionários de carreira, a bandidagem sossegou. Pelo menos na sua frente.

Como tinha, devido à tranqüilidade de seu setor, mais tempo para ler, inventou de ler a obra Ulisses, de James Joyce, um pouco antes do almoço e um pouco antes da saída da tarde. Era um calhamaço respeitável. Havia um tal torneio de palavras, conhecidas e desconhecidas, que Altamirando ficou zonzo. Deixou o livro de lado. Não gostara do livro. Tentara.

No final da tarde de ontem, apareceu o Pequeno FDP, quando ele foi ao banheiro. FDP, que se tornara diácono esse ano, se aproximou com um ar de puxa-saco, que deu até nojo a Brinquinho. E começou a contar-lhe coisas do arco-da-nova-e-velha sobre sua mulher. Aquilo não era pecado que diáconos não poderiam cometer? Fofoca não combina com cristandade. O fato é que ele deixou Brinquinho Altamirando sem chão. Será que ele queria isso?

Hoje, sem idéias equilibradas, Brinquinho tentou passar pelo menos os olhos num livro mais simples. Mas não conseguia se concentrar. O caso é que ele estava fulo. Coçava sua testa a toda hora, preocupado. Quando seu papagaio começou a gritar a palavra usual, não reagiu como costumava. Não lhe atingiu como de hábito.

Estou besta com o que me contaram, louro de merda! Besta! Bestapacralho! Tou com a minha cara no chão! A cara, a careta, tarada por saco rugoso! Ela vive me pondo enfeite! Por isso é que eu digo. Mulher como a minha......Deixa eu coçar aqui. Essa frieira é jogo duro. Não me abandona.

Volta a atenção pra fora. Um ator vizinho, no alto de um prédio, ensaia frases de Nelson Rodrigues.

(ATOR: Deus só freqüenta igreja vazia.)

Esse ator ai de cima, José, é um otário que sonha com o Grande Irmão. Vive repetindo Nelson. O grande Nelson.

Meu avô conheceu o tal. Os dois já traçaram juntos por sacanagem a mesma inflável mulher. Sabia, sabia? Pois fique sabendo. Os dois andaram também pegando aquela uma que se findou agora. Aquela que mudou de sexo. Era homem ficou mulher cheia de silicone industrial, não é? Droga levou ela, não foi? Não, não, pesada não, coca não, maconha não. Foi barbitúrico. Um monte ela pôs pra dentro. É certo isso como dois e três são vinte e três.

Sobre o fato da mulher que tirei da zona e que me chifra estou pasmado, quase biruta de tal inesperado. Sempre achei ela de frio nariz honesto. Errado? Fazer o quê?

Fui à igreja do Padre daqui. O Belmiro. É um diferente. Sempre em escuro bem vestido. Coisa de marca. Quase Black Metal. E a igreja do Padre Belmiro está sempre cheia. Entende?

Se ele não fosse padre, eu dava-lhe um tiro na boca! Ela minha mulher que tirei da zona do porto, com cicatrizes que um açougueiro fez nela.

...Hum, quem me avisou? O merduncho do FDP. Eu encontrei ele quando tava fazendo xixi. Quase mijei no seu pé. Ele já me aprontou muito. Não é que o diacho virou diácono? Ele não era viado? Vivia fazendo xixi de mentira só pra ver o viril dos alheios. E pensar que namorou minha irmã, um pouco antes de virar! A gente quando pequeno apostava esguicho de esperma à distância. Tinha troca-troca até, mas tudo na moral de homem.

Mas voltando ao padre, eita bicho falso feito papel emitido por banco de fachada.

Um sem-vergonha em que mais não confio. Perfil de criminoso sexual. É o que penso. Não admito....

(ATOR:Não admito censura nem de Jesus Cristo.)

Não admito. Esse porra desse ator está nos ouvindo? Acho que não, né? É que às vezes, coincide. O Nelson que era profeta, isto sim.

(ATOR:Pois toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.)

Isso é batata, eu bato nessa amante vira-lata lambedora de bata que me bota chifre baita. Além do mais, a desejo doentiamente. Mas não sou infiel.

(ATOR:E amar é ser fiel a quem nos trai.)

Concorda? Mesmo que seja em pensamento e com um padre, desconformo. E o senhor?

(ATOR:Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro.)

.....Olha, eu agüento o peso das galhas! Sei que amor verdadeiro não é só sexo.

(ATOR:Sexo é para operário.)

Certo? Concorda? O que dou pra ela comer só eu dou. Outro não. Principalmente, ele.

(ATOR:O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual.)

Esse ator de vez em quando atrapalha. Dou-lhe ainda uma mijada no cu....Depois, ao final.

(ATOR:Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.)

Entendeu?... Minha mania são as dentadas molhadinhas de Guiomar. E isso de maneira normalíssima. Quando nos conhecemos, ela me lambia a calvície e uivava, com fúria de desejo. E nos mordíamos a torto e a direito, da cabeça ao rabo. Um dia posso pedir pra ela te morder. Quer?

(ATOR:Sem dentada, não há amor possível.)

Em nossa cama, a metafísica é odontológica.

( ATOR:A cama é um móvel metafísico.)

O que me dói mais é que ela morde outro como a mim. Dizem que a mãe dela, aquela cadela, era assim também. Mordia todos os amantes. Um era ginecologista. Quase foi veterinário. Dizem pra mim os mais velhos que o zebu vivia exibindo as mordidas...

(ATOR:Todo ginecologista devia ser casto. Antigamente, a mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro...)

Bem, quer dizer. Pensando melhor, minha mulher ia subir pelas paredes se recebesse comida de um veterinário. Não estou sendo coerente. Mas, olha. Escuta.

(ATOR:Toda coerência é no mínimo suspeita.)

E eu não tenho certeza de nada. Contou pra mim um salta-pocinhas, mas eu não vi o ato.

(ATOR:O marido devia ser o último a saber. Aliás, o marido não deve saber nunca. )

A gente só é isso quando sabe, quando a gente vê, não é? Mas eu, por enquanto, não vi. Eu duvido do ato em si.

(ATOR:A dúvida é a autora das insônias mais cruéis.)

Preferia que não me contassem. Não tenho amigo. Um amigo não inferniza a gente assim. (ATOR:Amigo é um momento de eternidade. O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Quem não é canalha na véspera, é no dia seguinte. Hoje, é muito difícil não ser canalha.)

Certa ocasião, ouvi o Norato Ratono, esse ator filho de quenga puta que vou pegar já, já, esse zebu, falar, e concordei. Disse que desistia da vida eterna. Por causa da pureza fedorenta dos mais santos, geralmente versados na politicalha da cidade. Ratono Norato diz-que preferia ser um canalha abjeto, capaz das bacanais mais horrendas..

(ATOR:A pressão da vida atual trabalha para a nossa canalhice pessoal e coletiva.)

Não é, hein? Fala. Olha, até menino é canalha, atualmente. Um dia, abri a porta do quarto e flagrei um cachorro entalado nela. E um menino olhando com sarro. Mas ela não pode ter nenê. É uma cadela castrada, pastor. Uma mulher, só que nasceu de quatro patas.

Agora, ela viciou na ração que o Padre Belmiro dá. Pode isso. Por isso quero da sua igreja oração poderosa anticatólica anti-Belmiro. Tou com nojo....Ai, Zezinho, acho que vou vomitar...

(ATOR:Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.)

Foi pouquinho. Depois, eu limpo. Só uma pastinha de nada, né? Não tou doente não. Devo ter comido alguma merda por aí.

(ATOR:Certas épocas são doentes mentais, como a nossa.)

Talvez eu devesse procurar a morte.

(ATOR:Deus prefere os suicidas.)

Mas eu não consigo. Ta escutando meu coração, Zezinho? Este desgraçado aqui bate por uma canina infiel....

(ATOR:Todo desejo é vil aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhh!)

Vai pro teatro, seu merda! Que baque é esse? Deixa ver da janela o que ess’ator besta tá fazendo!

Lá embaixo, como um desenho animado, um lago vermelho com olhos e bolhas na superfície.

Ih, ele caiu. Quem mandou. Ler texto no ponto mais alto do prédio.

O papagaio, chamado por ele carinhosamente de Louro José ou Zezinho, grita com seu tom contundente e claro.

- Corno! Corno! Corno!

Altamirando dá-lhe um chute, como sempre.

Beberica um vinho. Pega o livro que estava lendo, com frases de Nelson Rodrigues:

“O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos”,

“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”,

“A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual”,

“Com sorte, você atravessa o mundo, sem sorte, você não atravessa a rua”,

“Qualquer amor há de sofrer uma perseguição assassina”,

“Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama”.

Ele acaba dormindo, engatando de primeira num sonho, onde sonha que acorda levando um chute do papagaio, que no sonho fala mais de mil palavras. A primeira é:

- Estou besta! Estou besta!











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