A alma dela fria. Picolé do bode-rubroanho. Mas simulava
gentilezas. Seu nome – Penélia. Costureira conhecida. Muitos anos de batalha. Depois
de um tempo, dera-se ao luxo de escolher pra quem costurar. Era muito procurada
por grupos de escola de samba – mesmo tendo se apossado do que não era seu em
uma delas - e de teatro. Naquele momento, falava com o homem, que tinha uma
arma, chamada de Créssida. Uma Taurus 838c. Novinha. Pensara num funk pra arma.
Novinha – palavra que lhe teimava quando pensava. Mas empacara. A Créssida era especial
para aquele feito a vir. O homem sorvia um cafezinho e a ouvia. Ela falava. Ele
escutava, reparando a parede com infiltrações. Dera um trabalho chegar naquela
chácara. Quase fundira o motor. Ruas cheias de galhos, troncos, pedras e
buracos.
Dona Penélia, mulher no auge da delicada fúria, profissional
de mão cheia, era rija, volumosa, rosto amplo, olhos azuis como o mar e o céu
juntos, vestida com um amplo vestido florido. Ele chegara com dureza desconfiada.
Educado e temeroso. Vestia um terno fora de época. Tinha um bigode grosso e
lustroso. Depois de cerca de meia hora falando de coisas triviais, alguns
palpites sobre o que seria mais adequado vestir nas situações. Não que ele
tivesse perguntado. Depois de discorrer sobre sua arte de alinhavar, ela entrou
no assunto que lhe interessava: ela.
O tempo foi passando e meu nome se apagando. Mas
nunca me importei com isso, sabe? Quando começou minha fama pouca, média, mediíssima talvez, eu morava no
centro, e pra ganhar meu pão, além de fazer minhas costuras, vendia uns tapetes
de tecido grosso, com desenhos de amor, aqueles amores de mito, de lenda. Vendi
muito. Maidaconta. Durante uns oito anos. Minhas freguesas sempre foram muito
apaixonadas.
Assim
eu ia tomando conhecimento de suas paixões. Não precisava muito pra isso. Meu
marido sabia da vida de todas. Sempre foi dado com todo mundo. Já eu não. Não
sou de muita prosa. Sei fazer meu serviço, isso sim. Ninguém nunca reclamou.
Tenho muita experiência como costureira. Das boas.
Quando fiz dezesseis, mãe achou que tava na hora. De
especular outras coisas. De visitar a
Tríade. É que eu tinha umas tias no interior, de fora e de....dentro talvez....quer
dizer: ainda tenho. Dentro aqui. Eram exímias fiandeiras. Teciam numa roca bem
antiga. Moravam há décadas, diziam séculos, na fazenda Tríade. Onde os
recursos, sabe, eram parcos. Mãe colocou na cabeça que eu tinha muito a
aprender com elas. Quando decidiu, foi rápida. Me fez uma matulinha. Me deu
benção. Fechou a porta. E eu casquei. No rumo delas. Parti pela estrada afora,
sabe? Tão sozinha. Levando uns problemazinhos para as tias-vovozinhas. A casa
delas era muito muito afastada da cidade. Longe pra encardir. Mas eu tava
decidida decididíssima a cumprir a vontade de mãe.
Andei muito muitíssimo muito. Se
eu não tivesse decidida....Mas eu tava. Queria fazer a vontade de mãe. Andei
muito demais. Nunca andei tanto na vida. Subi morro, desci rio, atravessei
pinguelas, coisa de louco. Meus pés ficaram uma ferida só. Mas cheguei. E no
fim da caminhada elas tavam lá, todas na varanda, pulando feito crianças, a me
esperar. Quase trupicando uma na outra. Feito arteiras arcaicas crianças. Foi só cruzar a
ponte, vieram direto pro abraço. Nem pareciam da idade que tinham. Mãe dizia:
“vão ser sempre jovens, tenham a idade que tiverem. Porém, chegam a
parecer velhas, se velho for o estado de quem as veja.” Quem as visse diria
que eram gêmeas. Mas não eram. Havia diferença de um ano entre elas. A mais
velha e mais alta tinha o nome de Nona. A do meio e mais baixa era tia Décima.
A baixíssima que o povo chamava de A Morta, tinha o nome verdadeiro de
Findânia. Nomes bem esquisitos verdade. Verdade? Minha família é cheia de gente
com nome esquisito esquisitíssimo. Tia Nona possuía o costume de chamar
todos por fia, desde há muito, e acabou que ganhou na infância o apelido de
Fia. Até se esquecia de seu mítico nome. Engraçado que justamente a que fiava
ganhou o apelido de Fia...Então, mal entrei, sentei e comecei a tomar café, tia
Fia me puxou de lado. Gostava de saber de recém-nascidos, de embuchamento: - Filhinha
fia minha, vem cá, me conta sobre as grávidas. Quantas engravidaram na família
nesses últimos dez anos? Segurei o fuso com o qual ela tecia. E respondi a
ela que, nesses dez anos, só minha mãe e eu ficamos de bucho. Falei
tudo. Que fiquei grávida com dez anos. Que meu bebê viveu só sete meses. Que
era filho de um bandido que me atacou. Tia Fia nem quis saber. Foi apanhar
roupa no varal. Tia Deci ficou matutando na minha história. Quando falei na
morte do bandido, Tia Findânia foi a única que sorriu. Esta era chegada em
morte. Uma gulosa de velório.
Tia Fia teve dez gestações. Mas não vingaram,
falou Tia Deci, entrando com as roupas na mão. Na última, ainda tavam na
cidade. Quando fez trinta e seis semanas, o marido, bicudo, louco de droga,
atingiu ela com um chute. Matou o feto. Tia nem esperou a noitinha. O
disgramado nem gritou. Sabia do seu merecimento. Tia era rápida
no destecimento. Sem sangrar. Fosse Shy, o de Veneza, tiraria uma libra de
carne sem derramar líquido. Tia Deci começou a falar. Dum amado que Fia teceu
para ela. Moreno, baixo, atarracado, de início bom assim, mudou com o tempo, assado,
e se mostrou, do armário saído um verme infame, afamado nos jornais como
assassino de cinquenta e poucas mulheres. Conhecido como Cobra do Parque.
Despertava medo e ódio. Tia Deci achou que ia conseguir mudá-lo. Tia Fia, de
dó, mas só por causa da mana, desteceu e reteceu o jumento canibal várias
vezes. Não adiantava. Voltava a cagar na cerca. Preso umas trocentas vezes.
Tornou-se ele um dos detentos que mais recebiam cartas de amor na prisão; no
primeiro mês detido, foram mais de mil. Tia Deci era uma delas, a mais
apaixonada, pathos, casou-se a triste com ele na prisão. Condenado à prisão
perpétua, por seus horrendos desfeitos, entre eles a morte da ricaça grávida
Mipala Dio. Brutalmente asfixiespancada naquele hotel, como é mesmo o nome?
Mesmo assim, depois de cinco anos de prisão, o facínora teve licença para aliançar
o romance com Tia Deci, que tinha, veja só você, vinte, vinte aninhos.
Tia Findânia não aguentou !
Certas
coisa a idade não desculpa. Que mulheres são essas que amam assassino? Como?
Num é só a carência no mei das perna, né, Décima? Mas quem sou eu pra jogar
pedras, né mesmo? Algumas de nós gosta de ser valente e diferente....os monstro
tem sedução e os anjo são bunda mole...
Tia Deci se escondendo. E Tia Finda
provocando.
“ É
como estar com um ratinho numa gaiola. A gente sabe que eles tão presos e só
vão comer na nossa mão. Não vamos sofrer traição. Se somos traídas e humilhadas
pelo homem livre, não somos pelo homem preso.... Dá adrenalina, né, Deci?”
Tia Deci tava sufocada pela nhaca do assunto,
mas Tia Finda continuou e declarou:
Então,
tive de me meter. Cortei o fio. Redei o monstro do home da linha da vida dela.
Tia Fia quis colocar um tempero de piada na
conversa. “– Você é tão jovem e já aperta
bem o fuso, hein? Você gosta de fuso grandão ou pititim?”
E começava a rachar o bico, enquanto as outra
tava tudo séria. Afinal eu só tinha dezesseis. E continuou nas gracinha:
“
Como chama a mulher que sabe onde seu marido tá todas as noites?........Vai
dizer que ocê não sabe?.... Viúva.
Entendeu? O marido tá sempre debaixo da terra! Pelo menos até virar cinza!
– “Por
que as mulher não quer mais se casar?....Responde, vai....Não sabe?..... Então,
eu digo: porque não é justo! Imagine: por causa de algumas grama de lingüiça
ter de levar o porco inteiro!” ....
Na época não entendi neca de pitibiriba.
Tia Deci, compreendendo a timidez de meus
dezesseis, rapidamente passou a mão na frente de meu rosto e me vi de língua sem
tramela.
E contei pras tia que, quando fiz dez ano,
mãe vivia dizendo que eu tava com o diabo no corpo, com gastura pra furunfar e
isso tava esquentando a piolhenta dela...
Mas eu era só uma menina ispiculadeira de dez anos. Gostava das coisas da
natureza. De espiar as flor, de terra, de mar. De sujar os pés na lama. Na
vera, ainda gosto. No caminho pra cá, fiz tudo isso....
Mãe
sempre foi de lua. Ou era muito boa, ou muito cruel. Eu com dez anos sofria
muito, sem saber por causdequê. Quando fiz dezesseis, comecei a desconfiar. Do
meu primeiro corrimento de sangue pelos nove ano, até mais “o meno” os
dezesseis, ela deu de me olhar diferente.
Resmungava maidaconta pelos cantos, dizendo que mulher nasceu pra
sofrer.
Quase
todo dia, escutava mãe me dizer que eu tinha que ser acorrentada! Tinha que
trancar a minha diabuceta com cadeado! E meu irmão? Num tinha que trancar o diamusquito
dele também? Ele podia fazer tudo, desde pequeno. Quando fiz quinze, que mãe
passou a me atazanar menos. Dizia que se arrependia de ter me arreliado tanto,
e que a gente, filhas de Eva, tinha mais é que se acudir. Quando disse isso, as
tias olharam uma pra outra, balançando a cabeça.
O
Lico era meu único irmão. Andava sempre de banho tomado. Me dizia que o diabo
odiava limpeza. Já santo não, adorava
ficar limpinho, como minha pele! E passava o dedo. Um sem-vergonha! Desde menino, o falso vivia lendo livro
religioso. Queria ser padre. Lia bíblia de crente e de católico. Sabia tudo
decorado. Cabeça boa.
Meu
pai dizia também que Lico era o mais inteligente, o melhor de nós. Eu ouvia
calada. Porque eu sabia que era eu, pois eu lia livros de qualquer assunto,
queria saber de todo livro. Não tinha preguiça de ler. Desde bem pequetitinha..
Os
olhos de Lico me comiam como duas portas de inferno, escancaradas. Todos de
casa fingiam que era outra coisa. E eu tapava as orelha pra não ouvir o barulho
feroz do bicho dentro dele. Até as batidas do seu coração eu escutava. Quando
falei isso, notei os olhos de deusa furiosa das tia.
Me
olhava até com mais gana que os homens do bar. Se fazia de santo e de anjo. Do
pau oco só se for. Casca fina e oca, só se for. Me despedaçava com suas sedes e
toques, como se eu fosse uma qualquer.
Vivia
regulando meus vestidinhos. Se eu tava de vestidinho até o joelho, ele achava
que eu tenha de baixar mais. Mas eu vistia o que tinha pra vistir, uai! Toda
hora, que se chocava comigo em casa, ia prum canto rezar...Como é que era mesmo
a oração dele?...Ah, lembrei. Ele rezava assim: “Jesus, Maria, José, nossa família tua é! Sai, Satanás, pecado de
mulher, desta família de fé!”
Eu
Satanás? Eu? Ele que era o dianho, o capiroto, o amigo do gerente, o
Sete-Peles. Falei pro pai do olho comprido dele nos meus peitinhos. E pai
defendia o disgramado. Pai dizia que qualquer homem ia olhar. Até ele. Disse
ainda que eu nasci pra atazanar os homens, que nem uma Pomba Gira!
Aposto
que nem sabia o que era Pomba – Gira. Chegou até a me mandar pra Dona Bina
Benzedeira. Pra ver se a pomba era dominada. Caiu do cavalo. Mãe Bina disse que
eu não tinha nada. Falou que eu era só uma
menina moça de peito crescendo, claro que os varão ia ficar tudo de tesoura
amolada, doidinhos pra me descosturar!
Mãe
Bina... Mãe Bina fazia cada churrasco.
Foi com ela que pai aprendeu. Quando aprendeu, começou a fazer churrasco
quas’todo sábado. Nunca vi alguém mais chegado em carne que ele. Depois que meu
irmão fez treze, não sei causdequê, pai começou a mandar ele pra casa da vó
Nita. Sabia como manipular Lico. Mãe não dizia um “a”.
Meu
irmão até que adorava ir pra vó. Tinha piscina, festa e bastante mocinha, quase todas primas de
sangue. Que nem dava bola pra ele. Coitado...Quer saber: coitado nada. Lico
merecia.
Dizia
que que os churrascos de pai pareciam churrascos só pra gente velha. Lico dizia
que só dava tribufu. Meu pai tri e elas
bufu. Ou meu pai fu e elas tribu...engraçado.
Quando
ficava bêbado, humilhava muito minha mãe. E, chapado como um cão dos infernos,
saía por aí, pelo mundão. Pulava de bar em bar e a cada bar aumentava os
amigos. Depois terminava nos braços de alguma amorosa. Quando disse isso, tia
Deci quis saber quem eram as amorosa...
Geralmente
amigas de mãe. Elas vinham com papinho sonso:
“O coitado tava jogado na
praça. Foi abandonado pelos amigos. Tive pena dele. Tadinho...
- Me pediu ajuda. Não
atinava com o rumo. E a comadre sabe que eu tenho coração mole, né. Não deixo
desamparado um conhecido. Jeito nenhum. A comadre sabe.
- Em mim, a bondade é
natural, como diz Padre Fuentes. Deixei
ele dormir na garagem lá de casa um tiquinho. Mas lá é muito confortável. Tem
um sofá que parece uma cama de casal quando abre. Não passou frio não, viu?”
Mãe respondeu uma vez: “é, não deve ter passado nenhum frio mesmo,
deve ter usado cobertor de carne...das bem pelancudas, que são as que aquecem
bem. Brigada por ter trazido. Não precisava. Mas a comadre podia ter
telefonado, né?. Tchau
Pudesse,
mamãe fazia farofa na hora com as tripas dela. Falar nisso. Tou com uma vontade
de comer farofa de tripa de porca. Será que inda tem?
Disse
pras tias que um ano antes de ir pra casa delas, quando fiz quinze, Lico se
tornou mais atrevido, e a desculpa dele era a de me limpar dos demônio pra ser
uma serva de Deus. Ele evinha pra cima todo cheio de carinho e conversa
babujada. Pegou uma mania de me dar cafungada no cangote. Tentava passar a mão
no meu rosto. E dizia que eu tinha a pele macia, que nem nuvem, como se olhasse
nuvem de perto...Acho que ele gostava de levar tunda, porque teimava em repetir
o mal feito. Falei pras tias que antes de ir pra casa delas, ouvi fala de Lico e de pai
arapucando coisa ruim pra mim no quarto de Lico. Falei pra mãe e ela acho que
por isso teve a ideia de eu pra cá tomar o rumo. Ela até chorou. Antes nem.
Tia Deci
passou a mão em meu rosto e eu me calei. Lembrava de tudo que foi confessado.
Depois, serviram pra mim um chá. Um chá que me deixou tão feliz. Fiquei dois
dias com elas um pouco mais. O bastante pra me firmarem em rituais de tenda
vermelha, antigos, que me deram força de dentro-deusa-mãe-nossinhora. Disseram
até segredos de mãe. Que pai foi tecido e destecido por Fia maidaconta. Muitas
vezes. Como aconteceu com meu irmão desde que o senvergonha se soltou. Não dava
porém mais jeito.
Quando
voltei pra casa, foi como estivesse com todas as mulheres da família dentro de
mim. Logo, logo, mãe começou a me ensinar segredos da costura. Principalmente
dos cortes. E os churrascos foram aperfeiçoados com rituais invisíveis. Tias
eram sábias de vingança medeia. E a cada churrasco remoçava mais.
Aquela
estação passou. Chegou a vez de traçar um plano bem maturado, inspirado nas
tias. Foi rápido, rapidíssimo. Foi de fácil execução. Fizemos uma janta
especial pros nossos homens...não muito homens, né? Mentimos que ninfas
de eitos da família iriam fazer visita depois do jantar. Só disse pra eles
ficarem mais emocionados. Dei a ideia de fazer tapeçaria com eles. Lemos muito
sobre tal fazer alquímico. Tudo tinha de ser feito de um modo perfeito. Sem
demoras. De maneira rápida rapidíssima, delicada delicadíssima.
Compramos
muita bebida. Das fortes e fortíssimas. Era
preciso. Muita destilada. A hora passando, urubus volteando em cima, e os dois
foram capotando aos poucos. Depois da meia noite, quando estavam roncando feito
porco de banha, arrastamos eles pro porão, onde a tapeçagem foi tranqüila. Não
tivemos medo. Além do mais, nossa chácara era isolada.
O tempo saltou
mais um tanto. Mãe morreu. Muito depois dos homens. Mulher vive mais. Coisa das
deusas. O tempo foi passando. Mãe morreu. Muito depois dos homens. Minhas
primas devem de estar por aí em algum bosque. As tias? Como me separar delas,
se estão despejadas dentro de mim, no interior de meu eu verdadeiro.
Durante
algum tempo, morei longe da chácara. Numa casa do centro da cidade. Teci meu
marido logo depois da morte de mãe. Eu
me sentia muito só. Precisava de um Príncipe, um bom homem. Galanteador.
Respeitoso. Que pudesse ser um bom pai. E que fosse um homem vigoroso, ardente.
Afinal, eu tinha o dom de tecer pessoas, já nascido comigo, dom revelado a mim
pelas Tias.
Quando
terminei de tecer ele, o home ficou embasbacado. Quis entender o meu dom.
Expliquei a ele que era um dom de berço. Herdado de almas antigas.
Mas sua
curiosidade não tinha limites. Me pedia que tecesse coisas, dinheiro, enfim,
bens materiais. Apesar de ter falado pra ele várias vezes que só tinha o dom de
tecer pessoas.
Dentro de
um ano e meio, casamos. Lembro da gente ter dançado com aquela música tocando:
“Me encontrou tão desarmada, que entreguei meu coração”. E os dias foram
correndo. Perfeitos e intensos. Éramos muito felizes.
Me tornei
uma boa costureira. Logo depois, veio o fato que mudou minha vida. O nascimento
de nosso filho. Na primeira vez em que pegou Odisseu nos braços, disse que ele
seria um campeão, um conquistador e que seus zóio ia botar as rapariga tudo no
pé dele! O menino foi crescendo diferente, tinha uma alma de mulher. Uma boa.
De mulher boa. Não de mulher má. Alma terna, pura, desde petitinha.
Uma vez,
minha Odisséia tinha oito anos, a gente já tratava ela como menino. Foi prum,
canto do quarto, pegou uma tesoura e ia cortar o próprio pintinho. Um ato de
desespero. Foi até o pai que descobriu. Rastou o menino pro quarto e ficou um
quinze minutos de prosa...
Noutra
vez, ele tinha uns doze. No final de um jogo, todo mundo alegre no banheiro, e
quando meu menino foi tirar o short, viu que tava de calcinha por baixo. Vestiu
de novo o short. Mas todo mundo já tinha visto. Quando chegou em casa chorando,
o pai tava esperando com seus amigos de bar. Não me lembro quem contou pra ele.
Arrastou
o pobre pro quarto. E quando eu fui atrás e tentei entrar, bateu a porta na minha cara e trancou. Fiquei
imaginando o que ele tava fazendo com minha Odisséia...O tempo passou mais um
tanto. A gente voltou pra chácara. Meu filho virou uma moça bonita, equilibrando
com o que já era por dentro. Uma mulher sensível. Merecendo ser mulher mais do
que certas mulheres que andam por aí.
Teve um dia que minha Odisséia tava com um
vestido bonito e meu marido até elogiou! Levou ela pro quarto e ficaram lá
proseando um tempão. Nem me deixaram entrar... Passaram-se uns dois meses.
Lembro que era Lua Nova. Não se pode preparar porcos em Lua Nova. Aprendemos. Enquanto
a gente esperava a Lua de quarto - crescente, Odisséia ia se aperfeiçoando.
Aprendeu a amolar e limpar todo tipo de arma branca.
Maneja
agulhas como artista de circo. Minhas Tias por dentro davam conselho a ela.
Odisséia treinou muito no porão. Como uma ninja. Virou uma verdadeira Mulher
Maravilha. Fez também, de um tecido mais grosso, uns bonecos de areia pesados.
E quando o pai tá longe, treina com eles de um canto pro outro. Arrasta eles
daqui até o quintal. Daqui até o porão. Do porão até aqui. E marca direitinho o
tempo. Fico espantada com a rapidez da danadinha
II
Meu
marido não sabe que hoje vai ser um dia especial pra ele como foi pra
elas. Todas
tiveram um dia especial. Todos nós temos. Só esperar. E é fatal. Alguém sempre
está à nossa espera. Em algum momento da vida, a gente chega na nossa casa e dá
com alguém esperando...Esperei todas. Todas elas...Planejei minuciosamente...
A
primeira foi com uma linha. Mergulhei a linha em cerol. Fiz um cerol bem feito.
Bastante cola com bastante vidro moído (inconscientemente, bate os dedos na mão
contrária pra tirar o excesso). Ela, a primeira, veio provar um vestido. Chegou
de maneira bem educada:
- Posso
entrar?
– Pode.
Não precisa nem sentar, que eu já tomo as medidas..
No começo
do casamento, ele era cavalheiro. Tão. Mais da média. Muitíssimo. Se aproximou de mim como a maioria. Gosto da
maioria. Mas palavras doces dizem só pra nos enlaçar. Disse que tinha tara por
costureiras. Gostava do momento de se tomar as medidas. A proximidade do
hálito. A fita nas costas, no tórax. Quase no sexo. Era a sua tara. De início,
eu era muito xucra. Ele disse que me ensinaria. Que eu não me preocupasse. E me
guiou nas minúcias do coito. Com violência, mas me ensinou. Já era louca,
fiquei mais louca por ele. Meu pathos. Já tava enormizando minha criação de
pathos. Mas quando ele virou a cabeça por umas vagabundas do bairro, eu fiquei
furiosa. Excitei os pathos todos. Aquelas prosti. Prusta. Puta. Uma delas,
Brigite, tava todo dia aqui.
– Você
engordou um pouco.
–
Impressão sua. Tá velha. Com miopia de costureira. É a roupa que lhe dá ilusão.
Fiquei
com gana de fazer uma besteira. Aprendi com ele. Professor de coisas de
bestiário psicológico. Ele sempre foi um homem violento. Como meu
pai. Me
excitava com suas pegadas fortes. Comecei a gostar dos exageros...Ele gostava
muito que eu ficasse de quatro..Deixava minha bunda toda vermelha...
.
– Vou
abrir mais essa cava... Já resolveu se quer a gola
imperial?
– Sim, mas
sem recortes e sem pespontos. Mas vai logo que tou com pressa. Você ta ficando
lerda. Não era assim.
Peguei a
linha, me aproximei, bondosa e serviçal, e de imediato - “zap” - cortei
sua veia
aorta... Sabe, gosto de fazer um serviço rápido. Sou uma costureira de muita perícia.
Se me dá na cabeça fazer, faço. O trabalho sai daqui ó.
Desde o
início, tive medo que as freguesas perguntassem das manchas em sua pele. É que
ele adorava apanhar. Que eu enforcasse com umas argolas seu feroz fuso. Que eu
o chicoteasse como ele me chicoteava. Sempre teve desculpa pra cada ferimento.
Fui me adaptando às suas violências. Aprendi a comprar cremes pra facilitar as
fantasias - estupros que ele me fazia. Se ele me olhava e a bunda não estava
quase sangrando, me batia mais forte na próxima vez. Será que elas batiam nele
também?
– Quer
que eu mantenha a abertura tradicional ou você quer a
lateral?
– Acho a
tradicional mais discreta...Só 5cm de fenda, hein...
A segunda
amante dele era minha melhor amiga. Como eu fui sonsa. Não teria percebido nada
se....Um dia eu tava escovando o terno dele e encontrei....Eu sabia que era
dela..Eu que vendi pra traíra. O meu melhor trabalho.
– Você
sabe que pode dar um volume maior aos seios, não
sabe,
amiga?
– Sei... É
disso que gosto. Deliro com a ideia de ressaltar o colo.
E o sutiã
dela eu fiz com muito esmero. Comprei a melhor renda, numa cor
Vermelho-paixão.
Afinal, era minha amiga preferida. Ela queria um sutiã
erótico. Fiz
um na exata medida de abrigar os peitos dela. Eu nem imaginava
que ela
iria estrear com meu marido...Ele deve ter se babujado, achado uma
delícia.
Nem deve de ter percebido que eles eram quadrados, cheios de veias e estrias,
parecendo gelatina. Minha opinião de costureira! Não de traída.
Quantas vezes, minha mãe cuidou dela quando
era menor. O pai e os primos abusavam dela direto. Cansei de apoiar a cabeça
dela nos meus ombros. E agora a sem-vergonha dava pro meu marido......Verdade
que pagava bem as costuras que eu lhe fazia.
– Quer
passadores duplos na cintura?
– Não.
Esta saia usarei sem cintos. O cós pode ser mais estreito.
Sempre foi generosa. E sonsa. Aposto que ele
rasgou com os dentes. Há tempos atrás, quando eu estava mais, ele costumava
destroçar com os dentes minhas calcinhas e sutiãs. Planejei a morte dela uma
semana antes. Inventei o pretexto de lhe dar uma peça íntima inigualável. Uma peça erótica diferente. Uma novidade que eu
criara inspirada numa modelo internacional. Ela caiu...
– Botões
de madrepérola ou madeira?
-
Madrepérolas, é claro. Quero as ombreiras embutidas.
A segunda
fulana, da rua de trás, parecia ter um joelho no rosto. O seu nome era Débora.
Tinha uma bunda um pouco torta, de silicone, fruto de uma cirurgia mal
feita....Ele bolinava elas na minha frente....o desgraçado...Até que...tive a
idéia de dar um fim nas duas. Comecei a arquitetar a morte delas. Brigite foi
fácil. Gostava de viver aqui. De fofocar dos outros. De lamber com os olhos o
que era dos outros. Outras. Até conseguir a satisfação. Nas minhas costas. Na
frente. Em cima. Embaixo.
– Bolsos
tipo faca podem deixar os quadris maiores...
– Não, se
presos ao cós e pences. Mantenha-os, por favor. Que fedor! Tomou banho?
Ainda
isso. A vaca. Me aproximei por trás e enfiei-lhe uma ponta de tesoura
envenenada na nuca. Demorou pra que eu a retalhasse. Carne muito dura. Piquei a
carne em blocos pequenos. E temperei bem.
A outra,
do outro dia, fiquei pensando em reconsiderar. Ela chegou tão contente. Tão
feliz. Mas desconsiderei a reconsideração.
– Vou ter
que apertar mais aqui.
– Me
parece que atrás também...
Peguei a
agulha e finquei no meio de seu coração... Herdei de minha mãe o dom. Minha mãe
matou todas as amantes de meu pai. Todas amigas. Minha mãe matava e eu ajudava
a retalhar os corpos. Fizemos grandes churrascos. Ninguém desconfiou. Sempre
gostaram do sabor da carne.
A
derradeira que me deu muito trabalho. A atriz. Era a mais desconfiada. Tive de esperar
um mês. Deixei-a no centro da sala, olhando uns modelos de vestido
transparentes, e fui pegar uma régua de costura metálica que estava encostada
no canto. Fiz tudo com cuidado.
– Vou ter
que deixar mais largo aqui.
– A altura também. Quero abaixo dos joelhos.
Assim.
Peguei,
mensurei as pernas, com cuidado, e deslizei a régua, que eu tinha
deixado qual
uma afiada navalha e penetrei nos seus quadris.
Quando ela desmaiou, esguichando sangue, Odisséia não demorou, deu um jeito de parar aquela cachoeira. Limpou tão bem! Que beleza! Minha filha amada! Nem parecia que alguém tinha morrido. Quando desnudamos o corpo, notamos uma coisa. Uma coisa que estava bem oculta. A mulher tinha um. Quando virou churrasco, foi a melhor parte. Dividimos pelo meio. Parecia uma auroreal e sádica lingüiça do açougue do Pepe. A melhor da região.
Quando ela desmaiou, esguichando sangue, Odisséia não demorou, deu um jeito de parar aquela cachoeira. Limpou tão bem! Que beleza! Minha filha amada! Nem parecia que alguém tinha morrido. Quando desnudamos o corpo, notamos uma coisa. Uma coisa que estava bem oculta. A mulher tinha um. Quando virou churrasco, foi a melhor parte. Dividimos pelo meio. Parecia uma auroreal e sádica lingüiça do açougue do Pepe. A melhor da região.
Nossa,
está escurecendo, o meu marido deve chegar logo. Hoje é o dia dele.
Aniversário? Seu? Não? Dele? Pode ser, não digo. Ah, sim, eu quero que o senhor faça tudo
rápido. Por isso a paga farta. O senhor não reclame. Dei a si tudo o que
poupamos em barras. Certo? Que bom.
O homem
formal fica sem jeito, sem saber como proceder. A porta se abre, mas,
entra..... o invisível. O essencial aos olhos? Ninguém? Ih, ela é louca...Mas a
porta se abriu sozinha. Quê? Ouço um som de beijo estalado, mas não é dela.
- Olá
amor! Que bom que você chegou. Eu já vou preparar o seu jantar.
Beijou o ar e foi beijada por ele. Estranho. Estranhíssimo. Quase que ouço funérea voz. Ou ouço mesmo. Um convite obsceno? Ele alma ainda viril, de dura madeira?
Beijou o ar e foi beijada por ele. Estranho. Estranhíssimo. Quase que ouço funérea voz. Ou ouço mesmo. Um convite obsceno? Ele alma ainda viril, de dura madeira?
– Eu
estava te esperando. – Recebe tapa na bunda? Parece. Gritinho safado dela. Pegada ao colo
pelo ar? Parece. Pelo peso, o homem feito de ar é potente.
O homem formal
assustou-se quando chegaram muito perto dele.
- Ah,
sim. Me solta - diz ela ao potente. - Deixa eu te apresentar. – É depositada no solo, num vagar
galante. Parece.
–
Benzinho, este aqui é um freguês novo. Filho do seu... Karon, não é? É. – Sente a mão úmida do marido no seu ombro.
Como? Não crê em fantasmas. Afasta com medo o braço misterioso. Como conseguirá matá-las? Agora havia o sobrenatural. Seria punido pelo homem? Foi pago. Tem que conseguir.
- Meu marido.......quando parecia que ia falar o nome
de novo é sustentada no colo.
- Eu
tenho uma surpresa pra você, sabe? – O invisível, talvez pensando safadamente, feliz
pelo prometido, gira com a esposa no colo, até quase chegar ao teto. - Vamos na
cozinha. Odisséia tem um chá pra você. - Já voltamos, seu Bigode.
Sem mistério, o assassino, contratado para matar a costureira e sua filha, depois que dessem
um fim no homem de ar, tentou fugir. Mas por mais que tentasse fugir, era impossível.
Seu corpo foi ficando ressequido. Sua mulher, Calpúrnia, bem que tentara demovê-lo da empreitada.
Seu corpo foi ficando ressequido. Sua mulher, Calpúrnia, bem que tentara demovê-lo da empreitada.
Natanael Gomes de Alencar
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Artigo 5º:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Além de estar legalmente amparada, a Liberdade de culto deve ser entendida como um direito universal e uma forma de respeito à individualidade e à liberdade de escolha.
Por princípio, o Alcorão, a Cabala, a Bíblia, os fundamentos da Umbanda, a doutrina Espírita, o Xamanismo, a Maçonaria, o Budismo, a Rosa Cruz e tantas outras vertentes esotéricas, são partes do conhecimento Uno e têm a mesma intenção: conectar o Homem à energia criadora com a finalidade de despertar sua consciência.
Lei n.º 5.250, e 09/02/1967, ou Lei de Imprensa.
Art. 71 (LEI DE IMPRENSA):
Nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas referidas no art. 25, poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade.
Art. 5º, XIV (Constituição Federal/1988)
É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
Art. 220 (Constituição Federal)
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Art. 220 parágrafo 1º (Constituição Federal):
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto nos art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Código Penal Brasileiro, Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.