A LINGUAGEM DOS DEUSES - Antonio Farjani - Uma iniciação à Mitologia Holística

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Para a grande maioria das pessoas, mito é sinônimo de algo falso, sempre cheio de contradições e
apresentado em uma linguagem ininteligível. No entanto, eles são uma verdade Transcendental. E na abordagem holística a Verdade é fluida, sempre mostrando suas diversas faces, fazendo com que as respostas para as mesmas questões
variem como as imagens de um caleidoscópio, para que se encaixem em todos os níveis de entendimento. Os mitos carregam em si essa Verdade que se desdobra em infinitas possibilidades, permitindo as mais
diversas interpretações de uma mesma realidade, sem prejuízo da coerência.

Dentro deles os opostos se fundem, tempo e espaço perdem seus limites, levando consigo as leis de causa-efeito. A noção da individualidade perde seu sentido, e o mito aparece como a história divina. Portanto, sem as características humanas que a
maioria pretende atribuir-lhes.

A LINGUAGEM DOS DEUSES - Antonio Farjani - Uma iniciação à Mitologia Holística


Oh, Orfeu, ainda se ouvirão tuas doces canções?
Indomáveis Mênades, qual bosque percorrereis ao luar?

Oh, Deméter, Mãe amantíssima, por que levaste de Elêusis teus santos Mistérios?

Divino Apolo, com que propósito deixaste de sussurrar aos ouvidos de tuas amadas pitonisas?

Por que não nos respondes mais?

Ah, Keres implacáveis, haverá sina mais triste e mais sublime do que sofrer a nostalgia de um tempo que jamais vivemos?


INTRODUÇÃO


Do ponto de vista da história da Humanidade, os dois últimos milênios, com o surgimento do cristianismo, têm sido
marcados por dramáticos acontecimentos, que lograram nos apartar de nossa memória ancestral. A pretexto de se salvaguardar a única religião verdadeira, efetuou-se uma perseguição ideológica até então sem precedentes. Por causa da ânsia de poder da Igreja, queimava-se tudo o que pudesse vir a ameaçar a religião nascente.

Desse modo, arderam as bibliotecas de Jerusalém e de Pérgamo, assim como a de Cartago e a de Alexandria, com suas centenas de milhares de volumes de valor inestimável. Os escritos dos índios centro-americanos, feitos em folhas vegetais, serviram como lenha para calefação durante anos, de maneira que ficamos sem conhecer um único dado sobre sua história. Templos e construções "pagãos" foram demolidos ou tornados templos cristãos, e seus deuses transformados em santos, por obra de um sincretismo de conveniência. Tudo o que se referisse às antigas culturas foi inapelavelmente destruído na fogueira iniciada por Paulo de Tarso, enquanto que todos os movimentos "modernos" que visavam preservar o conhecimento esotérico, tais como o dos alquimistas ou dos templários, foram perseguidos até a sua completa extinção.

Como resultado dessa gigantesca operação inquisitorial, nossa civilização cresceu alijada da herança ancestral e da sabedoria daqueles que nos antecederam. A despeito de um questionável progresso tecnológico, nunca o homem esteve tão perdido e tão alienado de si próprio quanto nos dois últimos milênios.

Dentro desse quadro desalentador, a Mitologia surge como um fantástico manancial do conhecimento antigo, que sobreviveu a todas as inquisições levadas a cabo pela civilização moderna. Faz-se necessário, contudo, despojar-nos dos preconceitos inculcados em nossas mentes durante tanto tempo pelos supostos detentores da verdade. Em outras palavras, temos que "reaprender" a falar a misteriosa linguagem dos mitos, e resgatar seu sentido puramente esotérico.

Por todos estes séculos difundiu-se uma leitura superficial dos mitos antigos, nos moldes do pensamento exotérico hoje em vigor, como se expressassem uma simples visão poética do homem pré-cristão sobre o mundo que o rodeava. A ideia de que os mitos tenham sido criados para explicar os fenômenos da natureza, tão difundida hoje em dia, por isso mesmo, nem sequer merece nossa atenção. A função do mito por excelência, como veremos, é a de apresentar verdadeiros "roteiros de iniciação", visto que seu único propósito é o de permitir ao homem descobrir o enigma de sua existência, que poderíamos resumir no mistério de quem somos, de onde viemos, e para onde vamos. Dessa forma, todos os mitos podem ser lidos como processos desenvolvidos dentro do homem, em sua trajetória rumo ao conhecimento do universo e dos deuses.

O presente trabalho visa erguer uma ponta desse véu, demonstrando como é possível resgatar a mensagem esotérica dos mitos, desde que nos proponhamos a considerar as características próprias de sua linguagem tortuosa e cheia de mistério. Trata-se de uma experiência altamente gratificante podermos, através de uma bruma secular, reencontrar a graça e a leveza do mundo dos antigos deuses de nossos pais, pleno de mensagens para o homem de hoje, tão sedento de encontrar uma direção a seguir na trilha do autoconhecimento.