Satanismo e Thelema por Tenebrae Occultus

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A seguir postarei um carta escrita para Socram Malediction da horda Aasverus de Minas Gerais. Há algum tempo nos comunicamos e resolvi extrair um pedaço da nossa conversa em que falo sobre o satanismo e Thelema. Abro este tópico também para que possam ocorrer discussões acerca do tema.

Cascavel, 26 de abril de 2010

Saudações ao amigo meu que há em ti!
Mas desejo saudar principalmente nesta carta o inimigo meu que habita em ti. Sim, somos amigos por nossas conversas e tudo o mais, no entanto somos agora também inimigos, pois que pensamos diferente e isto foi revelado. Segundo Nietzsche, devemos amar e manter nossos amigos próximos, mas devemos amar muito mais e manter muito mais próximos - os nossos inimigos.
Passaram-se duas ou três estações e eu ainda não respondi sua carta. Há meses não a leio, mas mantenho todas as questões em minha mente, ao menos as mais importantes. Seus questionamentos são bons, eu os poderia tê-los respondido antes, mas algo me impediu. Se respondo-lhe agora é porque finalmente sinto-me preparado para isso e posso dizer, agora é a hora certa. Mas não irei me delongar, as respostas são simples, não irei tentá-lo convencer à força de argumentos prolixos.

Satanismo e Thelema:
Nunca discuti com satanistas, outros membros da banda já o fizeram, mas não necessariamente brigaram ou perderam a amizade. Nossas letras execram o satanismo, mas nós temos nossos motivos. Sim, alguns satanistas já nos condenaram por isso, e talvez se afastaram de nós, mas não necessariamente por inimizade, mas simplesmente porque não era a nós que eles procuravam. Afinal, tocamos Black Metal e sabemos que o satanismo está muito presente neste gênero musical, natural que quem ouve BM procure hordas satanistas e se afaste das que assim não sejam. No entanto, temos amigos que ainda assim, mesmo sendo satanistas mantém contato, a exemplo a horda Black Mass.
Esse tema é o ponto central de nossa inimizade. A união de opostos sempre produz algo para além da soma das partes. Dois seres femininos não geram um novo ser, dois pólos positivos não acendem uma lâmpada. Dois pensamentos iguais não fortalecem os argumentos que os constituem. Quando se é apresentado um pensamento contrário ao seu, têm-se duas opções, ou trabalha-se para fortalecer o seu pensamento, ou assume-se a derrota. Mas há entre estas duas opções uma oculta, a crença. Mesmo não tendo motivos para crer nos seus próprios pensamentos, acredita-se piamente neles. Isto soa como um dogmatismo, uma fé irracional. No entanto, não podemos julgar isso, talvez esta crença só seja mantida por uma espécie de intuição, talvez seja danoso abandonar o que acreditamos ao primeiro sopro. Se acreditamos nos nossos pensamentos derrubados é porque de algum modo sabemos que um dia poderemos reconstruí-los. De fato, uma pessoa volúvel que muda de pensamento à todo momento não deve ter pretensões de ir muito longe. Cada mudança de rumo deve ser construída solidamente. Enfim... apenas um comentário acerca das nossas convicções.
Jamais obrigamos ninguém a seguir o nosso pensamento. Tudo o que fazemos é expô-lo e mostrar os argumentos que o sustentam. Nunca nos achamos no direito de dizer para outra pessoa o que ela deve pensar. Eu, no atual momento, jamais poderei saber como é ser você, estou limitado à minha existência, limitado unicamente à consciência da minha existência. Cada um de nós tem vários motivos e razões para crer no que crê. Jamais poderei saber que sentimentos o satanismo causa em você, e você jamais poderá saber que sentimentos Thelema causa em mim.
Satanismo é subserviência. Adorar qualquer entidade como algo que está acima de quem o adora é submissão, é dizer-se menor do que o adorado. “Não há deus senão o homem”, assim prega Thelema. Adorar algo é dizer-se jamais ser capaz de superá-lo e nem sequer igualar-se ao adorado; é submissão. Ora, que afronta! O caminho do homem é ser Deus. Imagine, meu amável inimigo, lhe peço que imagine; pense em tudo o que você desejaria ser e saber e ter, imagine uma existência perfeita para si mesmo, existe algo para além da perfeição? Existe um ser superior, acima de alguma existência perfeita? Se existe, esta existência não é perfeita afinal. Mas eu falo de perfeição, imagine-se sendo o ser que você deseja ser, com todas as habilidades que lhe parecem as mais perfeitas, existiria enfim, alguém superior a ti? Talvez igual, mas superior jamais! Evidente que isso envolve perspectivismo. Pode ocorrer de um ser achar-se mais perfeito que um outro ser que também se acha perfeito, mas o ponto é que ambos se acham perfeitos para si mesmos e ambos de fato o são. Adorar é negar a possibilidade de alcançar a sua própria perfeição. Guarde esta máxima.
Para Thelema devemos desenvolver nossas capacidades para tornarmo-nos deuses, perfeitos, mas que não haja semelhança ao cristianismo estagnado com este pensamento. Primeiro porque tornar-se Deus para o cristianismo é uma blasfêmia, aquele que diz isso é a própria Besta do apocalipse - e eles estão certos. Pois quando este pensamento começar a emergir nos seres humanos o cristianismo estará morto, o fim dos tempos terá chegado para os cristãos. Segundo porque o conceito de perfeição deve transcender a Idéia de harmonia e ordem. Pois dessas idéias surge apenas o nada, o universo existe meramente em decorrência de desequilíbrios. Pense em matéria e anti-matéria, a união de ambas causa apenas anulação. Pense num objeto que se move em uma direção, se restituirmos a força contrária que lhe foi tirada de alguma forma ele irá estagnar, pois duas forças opostas e em equilíbrio causam inércia, o movimento só surge a partir do desequilíbrio das forças e essa analogia vale para a existência do universo, pois este também só existe devido ao desequilíbrio e desarmonia. Por isso, pensar num ser perfeito como alguém que pode harmonizar tudo é uma grande nesciedade, é absurdo. Pode um homem pensar-se perfeito enquanto harmonizador, mas pode um outro homem, pensar-se perfeito enquanto um destruidor. Ambos são perfeitos e não se submetem a nada nem ninguém - por que são perfeitos; cada um a seu modo.
Os satanistas só adoram satan porque gostariam de ser como ele. Mas thelema diz: Seja ele, não apenas adore-o. Mas desejo partir para outro rumo de nossas discussões.
Entendo perfeitamente a adoração de Satan em prol da liberdade, em prol da não repressão sexual e tudo o mais. Mas eu acharia muito mais sensato e racional o ateísmo, pois com ele temos a liberdade, a sexualidade e, o melhor, sem a necessidade de adoração a entidades. Isso (entidades), que nós nem sabemos bem o que é, isso que muitos de nós nunca viu. No entanto, afirmar-se ateu é negar a possiblidade de vida além mundo e o satanismo, por acreditar na entidade satânica pressupõe uma existência, não necessariamente eterna, mas pelo menos além-mundo. Nestes termos o satanismo até se justifica, visto que propõe não só a liberdade na terra, mas a liberdade além-mundo. Para quem aceita submeter-se a satan em prol dessa liberdade terrena e extra-terrena... perfeito, siga em frente.

Mas agora gostaria de entrar na seguinte questão: O que é Satan para Thelema?

Para esta pergunta citarei alguns versos da música “Satanás” do álbum “Babilônia 666”:

Mas quando do crepúsculo ao negro,
Meu espírito se deleita em trevas,
E uma força revigora minha alma,
É a ti que reconheço,
Desdobramento de meu ser,
Doce demônio em minhas mãos,
Uso-te ao meu poder,
Adorar-te é um erro,
Mas como meio aos meus fins tu és,
Satanás-Eu.
Satanás-Eu,
Mas em mim és um ponto,
Amar-te por que sou
Escuridão sem fim,
(Satanás)
Satanás é trevas, é escuridão, é uma força oculta. É o “desdobramento do meu ser”, ou seja, satanás é uma força que está dentro de cada um de nós, é o nosso lado oculto. Cito outra música, esta da primeira demo:
“Satã é a face mais negra do rosto de Deus” (música: Homem Deus; ).
Deus enquanto criador de tudo, criou lúcifer, este portanto faz parte de Deus. Não que Thelema acredite numa existência objetiva de Satan, embora ela possa existir pelo simples fato de que muitas pessoas acreditam na existência de Satan, mas quando a isto não ouso nada afirmar, pois para afirmações deste tipo é necessário realizar alguns experimentos metafísicos dos quais, admito, não sou apto. Numa outra passagem da música “Satanás”, fala-se “Reconheço-te ainda. Mas não como existência. Matamos-te”. Sendo assim, quando fala-se de Satã em Thelema fala-se na verdade de um arquétipo. Na verdade, a princípio, grande parte do sistema mágico se baseia em arquétipos. Eu tomo Satan e tudo o que ele representa e uso isso em meu poder. Satan faz parte de mim “Satanás-Eu”, ele se torna um “Doce demônio em minhas mãos”. Satan não é nada mais do que uma parte de mim, a parte mais sombria, mas escura, mais malévola, mais cruel e perversa, mas ainda assim, algo que está em mim. Satan representa a nossa parte oculta, parte que muitas vezes escondemos de nós mesmos, ignoramo-la - são nossos instintos reprimidos. Assim, eu uso essa parte satânica de acordo com minha própria vontade. Eu uso a palavra Satan para evocar sentimentos e representações, como ocorre na música “Deicídio SatanCristo” do álbum Babilônia 666. Nesta música, os humildes, fracos e piedosos, enfim os cristãos, são mandados para o inferno, não que nós acreditemos que tal inferno exista, mas porque eles acreditam que exista e mais, o inferno evoca uma idéia mesmo naquela que não acredita nele, logo, até os ateus que não acreditam em inferno concebem uma idéia exata de para onde estamos mandando os cristãos, sim estamos mandando eles para o inferno, para um lugar de sofrimento e dor.
Aos fracos e aos insanos, o fogo do inferno,
Aos mancos e aos piedosos...
As divindades do mundo, o fogo do inferno,
As religiões da terra....

Aos que temem as trevas, o fogo do inferno,
Aos que procuram verdades....
Aos lamentos de morte, o fogo do inferno,
Aos compassivos e aos humildes, o fogo do inferno
(Deicídio SatanCristo)

Isso é usar Satan ao meu poder. Note-se que de tudo o que foi dito aqui, nada implica em submeter-se e adorar satan, pelo contrário, Satan é utilizado por nós como uma força, um arquétipo. Pois “como meio aos meus fins tu és”, ou seja, satan é um meio para nós, que queremos ser Deus¹ , ele não é um fim, pois se assim fosse, seríamos menores que ele, ele seria mais perfeito, ele seria a finalidade; mas não é assim, nós o usamos como escada, como ponte para algo que está para muito além dele, ele é um instrumento que está em nós, mas ele jamais é o fim em si, pois em nós satan é apenas uma pequena parte, um ponto (“Satanás-eu, satanás-eu... mas em mim és um ponto”). Nada de subserviência, eu evoco meus desejos ocultos e perversos e cruéis, eu evoco Satan para que ele sirva a meus propósitos porque eu sou maior que ele e ele me serve, ele é um ponto em mim e eu uso-o ao meu poder – assim diria um homem-deus.
¹Evidente que não falo aqui do Deus cristão, mas sim do deus que há em cada um e nós e que Thelema almeja fazer eclodir; ou seja aquela existência perfeita que não necessariamente é formada de bondade absoluta, mas também de crueldade e discórdia enfim, a perfeição, mas não a perfeição estagnada que, como já vimos, resulta em nada.

"Não seguiremos mais deuses, seremos deuses. Não iremos mais para o céu ou para o inferno, criaremos nosso próprio mundo com o derramar do nosso próprio sangue" (Tenebrae Occultus - 26/03/10)

Sobre o Autor:
LORD KRONUS
LORD KRONUS

Admirador do Oculto e cinéfilo.
azerate666@hotmail.com
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