A MORTE DO PAPA JOÃO PAULO I, A DÚVIDA PERSISTE – Por F. Carlos Rodrigues

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O que aconteceu naquela noite no final de setembro de 1978, no Vaticano? Quem teria interesse em eliminar um Papa eleito há pouco mais de um mês, por um colegiado de Cardeais reunidos em Roma?
Hoje, 34 anos depois, em 2012, após vários livros e dezenas de reportagens terem sido escritas, ainda ninguém, nem o Vaticano deu uma resposta definitiva ou convincente sobre o caso. São muitas dúvidas, erros e contradições que põem em xeque qualquer tentativa de desqualificar as investigações jornalísticas e literárias, elaboradas a partir dos fatos conhecidos e omitidos pelo alto Clero Romano.

Primeiro, vamos voltar no tempo e tentar fazer um pequeno retrospecto sobre o homem por trás do Papa.

Albino Luciani, futuro João Paulo I, nasceu em Belluno, Norte da Itália, em 17 de outubro de 1912 – vivendo sua infância durante a Primeira Grande Guerra –, filho de um pai socialista, que tinha que se ausentar de casa em busca de emprego em outros países e de uma mãe profundamente católica, que incentivou a sua vocação religiosa. Ordenou-se padre em 1935. Foi nomeado bispo pelo Papa João XXIII, em 1958 e Cardeal pelo Papa Paulo VI, em 1973. Foi eleito Papa, em 1978, aos 65 anos, deixando todos surpresos inclusive o próprio Luciani, que a princípio pensou em não aceitar o pontificado.

O certo é, que mesmo antes do início da eleição o nome do futuro Papa já é conhecido nos "bastidores" do Vaticano e o pleito é apenas uma formalidade. A campanha é toda orquestrada por baixo dos panos por aqueles que têm interesse na escolha do candidato, exatamente como em uma campanha política, afinal o futuro líder da Igreja Católica, com mais de um bilhão de seguidores em todo o mundo, também será o Chefe do Estado do Vaticano. Agora, aqui cabe uma observação, se o Papa fosse escolhido por Deus para representá-lo na Terra, então pra que uma eleição política, com diversos candidatos, urna, contagem de votos, e decisão do nome escolhido pela maioria? Se fosse inspirado por Deus, seria apenas um o candidato escolhido por todos, afinal, de acordo com o Cristianismo, Deus não é um só?

Com 99 votos a 11, Luciani seria um Papa escolhido para receber ordens, uma espécie de "marionete" da cúpula do Vaticano, conhecida pelas artimanhas e corrupções encobertas por estratagemas e escaramuças pouco ortodoxas. João Paulo I, logo ficou conhecido como o "Papa Sorriso", pela sua afabilidade e simpatia. O que surpreendeu os setores mais conservadores do Clero Romano, foi que por trás dessa aparência gentil, existia um homem de personalidade forte, de visão aguçada e determinado a realizar mudanças, dentro da Igreja, nunca antes imaginadas. Uma delas seria vender boa parte das riquezas acumuladas para ajudar as obras em prol dos menos favorecidos, como a construção de creches e orfanatos.

Apenas essa hipótese da venda dos tesouros, deixaria a ala mais conservadora e capitalista do Clero Romano de "cabelo em pé". Pois a alta hierarquia Católica sabe que a força da Igreja de Roma está na acumulação de bens materiais e riquezas, ao longo de mais de quinze séculos de história, ligadas primeiramente ao Império Romano, depois à Nobreza e ao Estado. Poder terreno ou secular e poder político, o Estado do Vaticano é um país pequeno mas que movimenta bilhões de dólares por ano, em ações, através do Instituto para as Obras de Religião (I.O.R.), conhecido como Banco do vaticano.

Mas Luciani queria ir mais longe, com sua mente arguta percebeu que haviam muitos negócios ilícitos sendo realizados pela direção do Banco do Vaticano e na véspera de sua morte estava a ponto de destituir os diretores de seus cargos, para realizar uma investigação nas transações suspeitas, o que traria à tona toda a rede de corrupção existente ali há anos, encabeçada pelo presidente da instituição, o Arcebispo Paul Marcinkus. Existem teses que defendem que os negócios obscuros entre o Banco Ambrosiano, de Milão, na Itália e o Banco do Vaticano foram o motivo do seu assassinato – realizado por membros da alta hierarquia da Igreja Católica em cumplicidade com a Máfia italiana, ligada ao banco ambrosiano e à Loja Maçonica P2 (Propaganda Due) –, já que o objetivo de João Paulo I seria denunciar os crimes econômicos.

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

João Paulo I foi encontrado morto por uma freira, Irmã Vicenza Taffarel, que tinha como missão acordá-lo todas as manhãs durante anos, desde antes dele ser Papa. Porém a versão oficial, divulgada pelo clero, diz que o corpo teria sido encontrado pelo Padre Diego Lorenzi, um de seus secretários, vitimado por um enfarte do miocardio (coração), devido as enormes pressões do cargo. A freira fez voto de silêncio e não falou mais a respeito até a hora de sua morte. A outra hipótese seria embolia pulmonar, essa versão extra-oficial sugeriria uma morte não natural. Observe, se o Papa tinha algum problema de saúde, por que não estava sendo acompanhado por um médico?

É sabido por todos em Roma que os candidatos a Papa passam por uma bateria de exames médicos e qualquer suspeita de problemas de saúde o descartam da disputa ao "Trono de Pedro". Foi assim que o Cardeal Aloisio Lorscheider, o brasileiro, gaúcho, Cardeal da Arquidiocese de Fortaleza, foi descartado como possível sucessor de Paulo VI, porque sofria de diabetes. Mesmo assim foi votado, apenas por uma questão de formalidade e reafirma a minha opinião de que se trata de um pleito político e não "divino", como querem alguns católicos.

A eleição de Albino Luciani pegou o clero católico de surpresa, pois ele concorria com personalidades muito fortes dentro da Igreja como os cardeais Pignedoli, Baggio, Siri, Felici, Koenig, Bertoli e o brasileiro Aloisio Lorscheider. De acordo com o autor do livro "Em Nome de Deus - Uma Investigação Sobre o Assassinato de João paulo I", David Yallop, Luciani foi eleito pela ala conservadora da Igreja apenas para servir de "fantoche", uma espécie de cumpridor de ordens. Mas parece que o tiro saiu pela culatra e a sua verdadeira face, de líder carismático e determinado, veio à tona.

A sua iniciativa em esclarecer os desvios de verbas e desfalques que estariam sendo cometidos no IOR, o Banco do Vaticano onde havia um rombo de 250 milhões de dólares, deixaria o seu representante, Paul Marcinkus, em uma situação muito difícil. Essa ação seria iniciada no dia seguinte, o que seria o 34º dia de Luciani no pontificado de Roma, se ele não tivesse morrido de forma tão misteriosa. A substituição de Marcinkus deixaria expostas as diversas negociatas com a Máfia italiana por intermédio da Loja Maçonica P2, de Lucio Gelli, do Banco Ambrosiano.

As contradições, erros e imprecisões na versão do Vaticano sobre a morte do Papa suscitam até hoje especulações a respeito de que ele teria sido vítima de uma conspiração, apesar da falta de provas e conclusões. A versão do envenamento durante a noite seria uma delas. O Vaticano não deixou fazer a autopsia, alegando que a família não teria dado autorização. No entanto, existem informações de que o Vaticano realizou uma autopsia e manteve em segredo. Um dos boatos diz que seu pontificado entraria em choque com interesses e ideias da organização de extrema direita católica Opus Dei.

O certo é que João Paulo I, contrariou os interesses de pessoas muito poderosas dentro do Clero Católico, principalmente aqueles ligados às finanças da Igreja, movimentadas pelo Banco do Vaticano, que mantinha negociatas com o Banco Ambrosiano de Milão, que por sua vez era ligado à Loja maçônica ilegal P2 (Propaganda Due ou Dois) e à Máfia italiana. Essa última conhecida por manter negócios ilícitos em toda Europa, Estados Unidos e outros países, como vendas de armas, sequestros e até tráfico de drogas.

Vazou para a imprensa na época, que sobre a mesa de trabalho de Luciani, teria sido encontrada uma lista com nomes de supostos maçons infiltrados dentro do Clero do Vaticano. Essa lista teria sido elaborada pelo jornalista italiano Mino Pecorelli, que seria um ex-membro arrependido da Loja Maçônica P2 e que foi assassinado em março de 1979, ou seja, seis meses depois. Nessa lista constariam, como membros da maçonaria ilegal, os nomes do Cardeal Jean Villot e do Arcebispo Paul Marcinkus.

A corrupção levaria à falência o fraudulento Banco Ambrosiano, em 1982, do qual o Banco do Vaticano era o principal acionista e cujo presidente, Roberto Calvi, foi encontrado morto, enforcado embaixo de uma ponte em Londres. Seu corpo foi exumado anos depois e o legista constatou que não se tratava de suicídio, na verdade ele teria sido assassinado em um terreno alí próximo e pendurado numa corda para simular que teria se matado.

AS CONTRADIÇÕES

01 – A hora oficial da morte de João Paulo I divulgada pelo Vaticano, foi estimada entre 4:30 e 5:30 da manhã. A ANSA (Agencia Nazionale Stampa Associata) principal agência de notícias italiana, com sede em Roma, noticiou em primeira mão que os embalsamadores, irmãos Ernesto e Renato Signoracci, foram apanhados em suas casas por um veículo com chapa do Vaticano, às cinco horas da manhã e levados aonde estava o corpo do Papa, onde começaram seu trabalho. Só que a hora oficial da descoberta do corpo deu-se às 5:30. O Vaticano nunca se pronunciou a respeito.

02 – Como um Papa pode ser eleito se tem uma doença cardíaca?

03 – Se estava apresentando sinais de doença, por que não tinha um médico junto a ele?

04 – Irmã Vicenza, a freira que o encontrou morto, fez voto de silêncio após a sua morte; conquanto, oficialmente, o Vaticano divulgou que o Padre Diego Lorenzi, um dos secretários do Papa, foi quem o encontrou sem vida.

05 – Outra contradição está no fato de que na morte do antecessor de João Paulo I, o Papa Paulo VI, como também de seu sucessor João Paulo II, o Vaticano fez um relatório pormenorizado das causas. O corpo de Luciani não teria passado por uma autópsia e foi rapidamente embalsamado, logo após a sua morte. O que levantou à hipótese de envenamento, devido ao rápido estado de deteriorização que um veneno causaria ao corpo. Por outro lado existe a hipótese de uma autópsia mantida em segredo.

06 – O Bispo John Magge disse que teria encontrado o Papa morto em seus aposentos e teria estimado que ele teria morrido por volta das 23 horas. Em 1988, Magge reconheceu não ter sido ele o primeiro a ver o corpo de Luciani morto, e sim a Irmã Vicenza. A freira teria sido proibida pelo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Jean Villot, de revelar a verdade. No entanto, em 1983, no momento da sua morte ela revelou a verdade à sua família.

07 – O médico pessoal de Luciani, em Veneza, Dr. Antonio Da Ros, em 1993, revelaria à Revista "30 Giorni", que teria feito uma ligação telefônica de rotina para seu cliente, no dia 28 de setembro (véspera da morte), não lhe receitando remédio algum, pois o tinha visto cinco dias antes (em 23 de setembro) e a sua sáude era excelente.

08 – Ao contrário do médico, o Vaticano tentou passar, para a opinião pública, a imagem do Papa como um homem muito frágil e que tinha uma saúde debilitada. Mas se olharmos as fotos da época, veremos um homem de aparência saudável, feliz e jovial. Diego Lorenzi, Secretário de Luciani – e quem revelou que uma autopsia secreta teria sido feita –, também rebateu a teoria da fragilidade da saúde do Papa, afirmando que durante os 26 meses que esteve ao seu lado, este jamais ficou doente ou apresentou qualquer problema de saúde.

09 – Os funcionários da Farmácia do Vaticano declarariam posteriormente que, durante os 33 dias do seu pontificado, nenhum remédio teria saído dalí para João Paulo I.

PAPAS QUE TERIAM SIDO ASSASSINADOS APENAS POR ENVENAMENTO, AO LONGO DA HISTÓRIA DA LUTA PELO PODER DENTRO DA IGREJA, ATÉ OS DIAS ATUAIS:

Em 882 – João VIII foi envenenado por membros de sua corte.

No Século X – João X foi envenenado no cárcere, por sua enteada Marozia, filha de sua amante.

Ainda no Século X – Benedito VI e João XIV foram envenenados.

No Século XI – Silvestre II (O Mago) morreu envenenado.

No Século XII – Clemente II também foi envenenado.

No Século XIII – Celestino V foi envenenado pelo seu sucessor.

No Século XIV – Benedito XI foi envenenado com figos com vidro moído.

No Século XV – Paulo II foi envenenado.

No Século XVI – Alexandre VI também foi envenenado.

No Século XX – Pio XI, aos 82 anos, em 1939, planejava fazer um discurso contra o facismo e o antisemitismo, na Itália. Na véspera do discurso ele morreu envenenado, após receber uma injeção ministrada pelo Dr. Petacci, médico do Vaticano e pai de Clara Petacci, amante de Benito Mussolini, Il Duce.

PERSONAGENS REAIS

CARDEAL JEAN VILLOT (Francês) – Secretário de Estado do Vaticano, suspeito de pertencer à Loja Maçonica P2.

ARCEBISPO PAUL MARCINKUS (Americano) – Antes do Vaticano foi investigado pelo FBI por falsificação de bônus no valor de um bilhão de dólares. Esteve envolvido em escândalos financeiros ligados ao Banco Ambrosiano, de Milão, quando estava à frente do Banco do Vaticano, inclusive desvio de verbas do banco e lavagem de dinheiro da Máfia italiana. Foi afastado do Vaticano e morreu aos 84 anos, em 2006, nos Estados Unidos, sua terra natal.

ROBERTO CALVI – Presidente do Banco Ambrosiano, de Milão, em 1982, foi acusado de lavar dinheiro para a Máfia italiana junto com Marcinkus. Foi encontrado sob a ponte dos Frades Negros (nome bem sugestivo), em Londres, o que a princípio parecia suicídio provou-se depois que foi assassinato.

MICHELLE SINDONA – Banqueiro ligado à Máfia, foi preso nos Estados Unidos e depois na Itália por estelionato. Morreu em uma prisão italiana, envenenado em 1986.

LICIO GELLI – Financista italiano, Venerável Mestre da Loja Maçonica P2, foi informante da Gestapo alemã durante a Segunda Guerra. Sua associação criminosa com o Arcebispo Marcinkus, Roberto Calvi e Michelle Sindona produziu um rombo de um quarto de bilhão de dólares no Banco do Vaticano. Atualmente com 93 anos, vive em prisão domiciliar na sua villa na Toscana (Itália).

CARMINE "MINO" PECORELLI – Jornalista italiano, fundador de um semanário sensacionalista, teria enviado ao Papa uma lista com nomes de religiosos da alta hierarquia da Igreja, que seriam maçons ligados à P2, o que provaria que a Maçonaria estaria infiltrada no Vaticano. Essa lista teria sido o motivo de seu assassinato em março de 1979, seis meses após a morte de João Paulo I.

SILVIO BERLUSCONI – Ex-Primeiro Ministro da Itália, envolvido recentemente com escândalos sexuais, teria pertencido à Loja Maçonica P2, no início de sua carreira política.

OPUS DEI

OPUS DEI (do latim: Obra de Deus), é uma instituição da Igreja Católica e uma prelazia (diocese ou bispado) pessoal, fundada em 02 de outubro de 1928, por Josemaría Escrivá (sacerdote espanhol canonizado em 2002 por João Paulo II), com sede em Roma, possui 85 mil membros, sendo composta por leigos, casados, solteiros e sacerdotes. É considerada da extrema direita da Igreja, apoiada por Joseph Ratizinger ou Papa Bento XVI, que é um ex-integrante da Juventude Hitlerista, na Alemanha durante a Segunda Guerra. A Opus Dei tem uma tendência fascista e no Brasil tem um membro "ilustre", que é o paulista Geraldo Alckimin.

MAÇONS NO VATICANO

A lista completa de maçons do Vaticano publicada por Pecorelli – que teria lhe custado a vida – tinha 116 nomes, trazia o nome de cada membro, sua posição na maçonaria, a data da iniciação, seu código # e seu nome código.

O número 65 nesta lista é Paul Marcinkus, guarda-costas americano do Papa, da cidade de Cícero, Illinois (EUA), Presidente do Instituto de Treinamentos Religiosos, na época de sua iniciação, em 21 de agosto de 1967, código #43-649, apelidado de "Gorilla". Nome de Código "Marpa". O número 115 é o Cardeal Jean-Marie Villot, Secretario de Estado do Vaticano. Durante o pontificado do Papa Paulo VI, ele foi o Camerlengo (tesoureiro). Apelido "Jeanni". Nome de Código "Zurigo".

Fontes:

Livros:

"Em Nome de Deus – Uma Investigação Sobre o ASSASSINATO de João Paulo I", de David Yallop.

"O Último Papa", de Luis Miguel Rocha.

Matéria na Revista Superinteresante, "Quem Assassinou o Papa João paulo I".

E Wikipédia.

F. Carlos Rodrigues

É jornalista, formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), cursou Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Marília (SP), não concluído e iniciou um Mestrado em Filosofia na UFC, também não concluído. Escreve eventualmente na Revista Harco, sobre arte e cultura.

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