DESMUNDO

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Desmundo é um filme brasileiro de 2003, dirigido por Alain Fresnot. O roteiro, adaptação do livro Desmundo, de Ana Miranda, de Sabina Anzuategui, Anna Muylaert e do próprio diretor.

A direção de fotografia é de Pedro Farkas, a trilha sonora, de John Neschling, e a edição e distribuição é da Columbia Pictures do Brasil. Todo o elenco teve que aprender o português arcaico, tanto que o filme é apresentado com legendas para ajudar na compreensão.

Sinopse

O filme é ambientado em 1570, época em que os portugueses enviavam órfãs ao Brasil para que casassem com os colonizadores. A tentativa era minimizar o nascimento dos filhos com as índias e que os portugueses tivessem casamentos brancos e cristãos. Essas órfãs viviam em conventos e muitas delas desejavam ser religiosas. Oribela, uma dessas jovens, é obrigada a casar com Francisco de Albuquerque.

Elenco

Simone Spoladore .... Oribela
Osmar Prado .... Francisco de Albuquerque
Caco Ciocler .... Ximeno Dias
Berta Zemel .... dona Branca
Beatriz Segall .... dona Brites
José Eduardo .... governador
Débora Olivieri .... Maria
José Rubens Chachá .... João Couto
Cacá Rosset .... Afonso Soares D'Aragão
Giovanna Borghi .... Bernardinha
Laís Marques .... Giralda
Arrigo Barnabé .... músico


Ao contrário da quase totalidade dos filmes que procuram representar fatos da história brasileira, Desmundo não é ridiculamente grandioso, gratuitamente irônico ou equivocadamente exótico. Na crueza da minuciosa reconstituição de época, vislumbram-se seres humanos — colonos portugueses, padres, freiras e noviças órfãs, indígenas escravizados — em ambientes, atividades e interações que bem podem ter sido aquelas que de fato ocorreram nos primeiros anos da ocupação da América pelos europeus.

Ou seja, nada de eufórica transferência dos melhores aspectos socioculturais lusitanos para as terras recém-descobertas, onde se irmanariam à inata nobreza e à profunda sabedoria dos locais. Isso é bem diferente do que faz crer certa visão eurocêntrica que romantiza, idealiza e falseia pessoas e fatos. É isso que se vê em Desmundo: a violência de gente enlouquecida de desejo em contraste com um ambiente extremamente hostil, no qual se transtornam as certezas, se emporcalham as crenças e se subvertem as esperanças. Nesse contexto, a religião, por exemplo, que se propõe a regular as relações interpessoais, naturaliza o abuso e humilha a pureza.

A linguagem realista

Ainda nessa perspectiva realista, Desmundo distingue-se do ilusionismo melodramático recorrente na cinematografia inspirada em Hollywood pela opção de apresentar personagens que se exprimem na linguagem da época. (Já nos acostumamos com cavaleiros medievais, indígenas norte-americanos, asiáticos, extraterrestres, etc. que discursam fluentemente em inglês.) O diretor Alain Fresnot encarregou o escritor, pesquisador e linguista Helder Ferreira de recriar em português arcaico os diálogos do filme. Foi feito um elaborado trabalho de adaptação que, a partir de fontes diretas e indiretas, considerou não só a época (primeiras décadas do século XVI) como a condição social e de gênero dos falantes e até a presença de traços remanescentes de falares anteriores. Assim, foi necessário recorrer a legendas em linguagem atual para benefício dos espectadores.

As escolhas do diretor

“Minha primeira motivação em adaptar Desmundo [de Ana Miranda, publicado em 1996] para o cinema foi a grande qualidade do livro. [...] Um dos principais desafios que me coloquei ao adaptar o romance foi deslocar o foco da narrativa — transformar uma narração em primeira pessoa em uma história contada por uma visão exterior. O livro é narrado pelo olhar de uma menina, educada num mosteiro de freiras, que soma à sua religiosidade muitos sonhos. Oribela, no livro, tem seus delírios, há uma grande riqueza na parte onírica da personagem. Eu não me sentiria confortável se tentasse traduzir estes delírios em imagens. O que me interessou na transposição do livro para a tela foi a parte realista. A religiosidade da personagem também foi bastante diminuída em consequência de sua destituição do papel de narradora” (Alain FRESNOT, Impressões sobre a direção, in A. FRESNOT, H. FERREIRA & S. ANZUATEGUI, Desmundo, São Paulo, Imprensa Oficial, 2006, p. 14-15).

Alain Fresnot nasceu em Paris, em 1951, e veio para o Brasil com 8 anos. Exerceu e exerce quase todas as funções na atividade cinematográfica. Participou do grupo fundador da Tatu Filmes, empresa que ajudou a definir o perfil do cinema paulistano na década de 1980. É bem conhecido como montador — 31 títulos, dentre os quais O homem que virou suco (João Batista de Andrade, 1981) e A marvada carne (André Klotzel, 1987) — e também como roteirista, diretor assistente e produtor. Como diretor, além de Desmundo, realizou os longas-metragens Trem fantasma (1976), Lua cheia (1988), Ed Mort (1997) e Família vende tudo (2011), entre outras obras.

O “toque feminino” da roteirista

“Eu estava formada na faculdade de cinema fazia um ano e meio, em 1998, quando o Alain me convidou para trabalhar no roteiro de Desmundo. Ele desenvolvia o projeto havia quase dois anos, estava satisfeito com a linha narrativa, conforme me disse, mas queria melhorar os diálogos e acrescentar um certo ‘toque feminino’. Aceitei entusiasmada, depois de ler a versão do roteiro que ele me entregou, toda confiante no meu talento que ia afinal se descoberto, achando que era ‘a pessoa certa para aquele trabalho’, uma espécie de road movie feminino medieval, conforme me pareceu à primeira leitura” (Sabina ANZUATEGUI, Sobre o trabalho de roteirista, in A. FRESNOT, H. FERREIRA & S. ANZUATEGUI, Desmundo, São Paulo, Imprensa Oficial, 2006, p. 17).

[FONTE: CINECLUBE DARCY RIBEIRO]

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