Espetáculo "Como Representar os Negros?" reflete direitos e condições das populações negras

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O que é ser negro? Como é ser negro? Será essa apenas uma questão de cor, pura e simples, ou ser negro é também preencher um lugar na caixinha social de classes e papéis? Perguntas, perguntas e mais perguntas. O espetáculo teatral "Como Representar os Negros?", em cartaz no Sesc Iracema aos sábados e domingos de julho, é, por si só, também um questionamento.

"A gente tem como posicionamento uma pergunta estética, política. Uma pergunta que gera perguntas", define Paulo Victor Aires, produtor da peça. "Nossa intenção não é respondê-las, mas que as pessoas saiam se questionando", adianta. O espetáculo, cuja produção teve início em setembro de 2012, é a segunda montagem do Coletivo Pathos, grupo de atores/alunos do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A peça é um produto oriundo de uma atividade acadêmica e inspirada na obra "Os Negros", do francês Jean Genet. Escrito na década de 1940, o texto se utiliza do que hoje é chamado de "politicamente incorreto" para revirar, viver e colocar pelo avesso o preconceito, sem se propor, de fato, a superá-lo. "O texto traz questões sobre incitar o ódio, mas nessa maneira contrária também pode operar possibilidades", explica. "Genet não utiliza de palavras bonitas para falar sobre essas diferenças. A gente deveria chafurdar isso e não reverter através de respostas, mas de perguntas".

O mote das mais de três horas de encenação encontra-se no assassinato de uma mulher branca por negros. A partir daí, desenvolve-se uma história não linear e permeada de problemas envolvendo conflitos raciais. O próprio Genet afirmava que a peça era um texto escrito por um autor branco para um público branco, que não pretendia melhorar a situação dos excluídos sociais, mas incomodar os incluídos e pô-los em contato com a culpa, fazendo a cena teatral abrir uma espécie de hemorragia coletiva.

É deste sangramento que surgem os cernes da interpretação do coletivo. O primeiro deles é o mais óbvio de todos: em uma peça sobre negros, não há atores afrodescendentes. "A gente vê que não tem como levantar a bandeira de uma raça que não é nossa, mas questionar o que é ela, que questões a envolvem e qual seria nossa posição diante dela", reflete o produtor da peça. Para Aires, a teatralidade e o caricato presentes na utilização de farinha de trigo, tinta e argila para caracterização dos personagens reforça os objetivos e mensagens da obra. "Pra gente, o pintar não é só figurativo, mas também é o devir negro. É pensar para além de um corpo, é a criação de um corpo".

A transgressão é um convite para fora da zona de conforto do espectador e leva a refletir sobre hipocrisias, "bons costumes" e políticas de inclusão. "O espetáculo tenta de uma maneira reversa reivindicar direitos, é um discurso também de minoria, das pessoas que sofrem. Ser negro é só questão de cor? Será que se a gente estabelecer cotas ou chamar de afrodescendentes vai resolver o problema que a sociedade vive até hoje? Não só o negro, mas o pobre, o homossexual?", explica Aires.

Outro ponto no estilo de atuar remete ao próprio nome do coletivo. A chamada "interpretação conduzida pela ideia de Pathos" retoma a tragédia grega, onde a denominação surgiu, em que se acreditava que existia uma espécie de energia para além do estado físico que poderia ser trabalhada em cena. "A interpretação não é apenas psicológica. É acessar no corpo energias, patologias, paixões para encontrar essa interpretação", detalha o produtor. É uma maneira de o ator encontrar dentro de si sentimentos como amor, raiva ou alegria que impulsionem uma caracterização mais real e efetiva. "A ideia de pathos possibilita uma gama maior de registros".

Polêmico e questionado pelo próprio movimento negro, "Como Representar os Negros?" é um espetáculo de questionamento de discursos e experimentação, inclusive sonora. De acordo com Paulo Victor Aires, a peça se utiliza de música africana até a clássica, passando por nomes do rock como Marilyn Manson.

Mais informações

"Como Representar os Negros?", do Coletivo Pathos.
Sábados e domingos de julho, às 20h no Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90-C). Gratuito. 14 anos.

FONTE: Brancos, negros e muitas perguntas - Caderno 3 - Diário do Nordeste

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