"A gente tem como posicionamento uma pergunta estética, política. Uma pergunta que gera perguntas", define Paulo Victor Aires, produtor da peça. "Nossa intenção não é respondê-las, mas que as pessoas saiam se questionando", adianta. O espetáculo, cuja produção teve início em setembro de 2012, é a segunda montagem do Coletivo Pathos, grupo de atores/alunos do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A peça é um produto oriundo de uma atividade acadêmica e inspirada na obra "Os Negros", do francês Jean Genet. Escrito na década de 1940, o texto se utiliza do que hoje é chamado de "politicamente incorreto" para revirar, viver e colocar pelo avesso o preconceito, sem se propor, de fato, a superá-lo. "O texto traz questões sobre incitar o ódio, mas nessa maneira contrária também pode operar possibilidades", explica. "Genet não utiliza de palavras bonitas para falar sobre essas diferenças. A gente deveria chafurdar isso e não reverter através de respostas, mas de perguntas".
O mote das mais de três horas de encenação encontra-se no assassinato de uma mulher branca por negros. A partir daí, desenvolve-se uma história não linear e permeada de problemas envolvendo conflitos raciais. O próprio Genet afirmava que a peça era um texto escrito por um autor branco para um público branco, que não pretendia melhorar a situação dos excluídos sociais, mas incomodar os incluídos e pô-los em contato com a culpa, fazendo a cena teatral abrir uma espécie de hemorragia coletiva.
É deste sangramento que surgem os cernes da interpretação do coletivo. O primeiro deles é o mais óbvio de todos: em uma peça sobre negros, não há atores afrodescendentes. "A gente vê que não tem como levantar a bandeira de uma raça que não é nossa, mas questionar o que é ela, que questões a envolvem e qual seria nossa posição diante dela", reflete o produtor da peça. Para Aires, a teatralidade e o caricato presentes na utilização de farinha de trigo, tinta e argila para caracterização dos personagens reforça os objetivos e mensagens da obra. "Pra gente, o pintar não é só figurativo, mas também é o devir negro. É pensar para além de um corpo, é a criação de um corpo".
A transgressão é um convite para fora da zona de conforto do espectador e leva a refletir sobre hipocrisias, "bons costumes" e políticas de inclusão. "O espetáculo tenta de uma maneira reversa reivindicar direitos, é um discurso também de minoria, das pessoas que sofrem. Ser negro é só questão de cor? Será que se a gente estabelecer cotas ou chamar de afrodescendentes vai resolver o problema que a sociedade vive até hoje? Não só o negro, mas o pobre, o homossexual?", explica Aires.
Outro ponto no estilo de atuar remete ao próprio nome do coletivo. A chamada "interpretação conduzida pela ideia de Pathos" retoma a tragédia grega, onde a denominação surgiu, em que se acreditava que existia uma espécie de energia para além do estado físico que poderia ser trabalhada em cena. "A interpretação não é apenas psicológica. É acessar no corpo energias, patologias, paixões para encontrar essa interpretação", detalha o produtor. É uma maneira de o ator encontrar dentro de si sentimentos como amor, raiva ou alegria que impulsionem uma caracterização mais real e efetiva. "A ideia de pathos possibilita uma gama maior de registros".
Polêmico e questionado pelo próprio movimento negro, "Como Representar os Negros?" é um espetáculo de questionamento de discursos e experimentação, inclusive sonora. De acordo com Paulo Victor Aires, a peça se utiliza de música africana até a clássica, passando por nomes do rock como Marilyn Manson.
Mais informações
"Como Representar os Negros?", do Coletivo Pathos.Sábados e domingos de julho, às 20h no Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90-C). Gratuito. 14 anos.
FONTE: Brancos, negros e muitas perguntas - Caderno 3 - Diário do Nordeste
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