DOTE DO DEFUNTO

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Três mulheres conversam do lado de fora de uma academia de boxe, próximas á porta. Um garoto está no canto emburrado pelo castigo imposto por sua mãe.

(Mas, meu caro leitor, esse menino não faz falta à nossa história.)
-Quanto custa?
-Não sei, vão falar na reunião.
-Será que é caro?
-Esse mês pra mim tá tão ruim.
-Pra quem não tá.
Uma das mulheres está apertada.
-Preciso ir no banheiro.
As que ficam fazem gestos de quem tá espantando cheiro ruim.          
-Neuza tá podre mesmo. Deus que me livre.
Muda de assunto.
-Cê viu o que aconteceu com o Zé?
-Com a filha dele, né?                    
-Também. Pois é. Ela não ganhou bebê esses dia? Pois é, diz-que o pai da criança fugiu. E o Zé, que já não tem onde cair morto, vai ter que dar conta de mais uma boca.
 -Não merecia. Já criou os filho e agora tem que bancá os neto.
-Mas é o avô. Que ele pode fazer? Mas a filha não merece..
 -Não sei não. Quem merece? E já te falaram da outra? A outra, mulhé! A cuja! A cachorra! A sonsa!
 -Ah! É, a outra. Essa também não merecia.
-O noivo dela tinha que ficar na dele.
-Foi mexer com cobra, né?
-Cê acha que ela volta a ser a mesma?
Neuza chega aliviada.
-Soprei o que tava me estufando.
-Cê tem que deixar de comer besteira.
Maria, a mais ingênua das mulheres relembra.
 -É o que eu falava pro galinha do meu ex - marido.
As outras olham pra Neuza como se soubessem das suas escapadas com o falecido. Ela finge que não nota.
Neuza se ajeita no banco e informa.
-Ah, tem uma surpresinha pra vocês lá no banheiro.
-Surpresa boa ou ruim?
-Vão lá ver.
As mulheres curiosas vão.
Neuza adverte o menino emburrado.
-Você não. Fica aí, que elas já vêm.
Neuza espera um pouco e as segue. Encosta-se do lado de fora do banheiro. Quando ouve o grito de Maria, sai correndo.
-A desgramada quebrou a caixa e sangrou meu amor!
-O que tinha na caixa?
Palmira interrompe a pergunta quando enxerga um grande membro, um falo de respeito, um pinto dos grandes, a sangrar, talhado no ladrilho. Era simplesmente uma parte do falecido, mas, parecia que respirava, que soltava, em respiração profunda, um último suspiro.
A esperta Neuza já tinha se mandado. Uma vez, em visita à casa de Maria, descobriu a caixinha. Qual não foi a sua surpresa quando viu aquela parte que ela massageara tantas vezes em encontros furtivos com o defunto.
Era o cúmulo. Enquanto ela não ficara com nada do morto, a outra – a esposa – tinha o troço dele mais gostosevenér(eo)ado só pra ela.
Desde aquele momento da descoberta, planejara tudo. Já tinha planos mesmo de seguir viagem, se mandar dali. Ninguém sabia de sua ligação com Goiânia. Lá esqueceria de todas as cobras daqui.
Ninguém sabia de seu ódio disfarçado nem desse plano de fuga, nem mesmo seriam capazes de imaginar, afinal, era tão boa com todos.
Alardeava a torto e a direito que era de Belo Horizonte e que amava Minas Gerais. Mostrava até a identidade. Tinha um sotaque que confirmava isso. Fossem procurá-la, começariam por BH. Era lógico.
Foram as mulheres rapidamente à casa de Neuza. Porém, só houve tempo de enxergarem ao longe o táxi que a transportava para, quem sabe, nunca mais voltar.
Maria chegou a desabafar.
- Tenho parente em Belo Horizonte. Deixa estar que o dela tá guardado.
Coitada.

 

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