Teurgia Goética (Dharmagupta)

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 Obs: todas as fotos expostas neste artigo são da Ordem do Lotus Negro.
"A Magia Goética libera a consciência do cativeiro da existência individual. Ela permite (à consciência) elevar-se na imensidão cósmica. O resultado é uma loucura divina, uma inebriação dos sentidos que é, não obstante, perfeita e primorosamente controlada. A vontade mágika é projetada na esfera de seus mistérios mais profundos e interiores para consumar o casamento do indivíduo com sua divina fonte, que assume a forma do Sagrado Anjo Guardião."    (Kenneth Grant)


A Magia Goética reveste de um papel excepcional dentro das artes mágikas, atraindo muitos iniciados e curiosos em geral. Na idade média a crença em demônios e bruxas era disseminada. E o destino reservado aos acusados de bruxaria ou comércio com os demônios era serem queimados na fogueira, como no caso de Joana d’Arc, que se negou a admitir que seus contatos espirituais eram demoníacos. Ainda que fosse assim sempre existiram indivíduos que ousaram contestar as proibições da Igreja nessa época, muitos inclusive eram clérigos e pertenciam a ordens sacras. Eles se dedicaram as artes proibidas da Magia e os mistérios da demonologia foram por eles explorados, seus territórios mapeados, e seus habitantes explicitamente identificados.

De fato, o hábito de “demonizar” a magia veio de séculos de considerações a respeito dos demônios. 

A palavra “demônio” vem do grego daemom, originalmente significando um espírito ou gênio que tem uma posição intermediária entre os homens e os deuses. O conceito primitivo da palavra afasta-se do atual conceito Cristão. Na época da Grécia clássica, os demônios eram considerados gênios ou pequenos Anjos da Natureza e podiam ser tanto maléficos como benéficos. 

Com o desenvolvimento das religiões monoteístas, a significação simbólica de Demônio sofreu uma mudança radical, que os identifica com espíritos do mal (os Anjos caídos e rebeldes liderados por Lúcifer).


O mundo pagão grego pululava de daemons.

O daemon grego poderia ser descrito, de um modo geral, como uma força ou energia menos potente que a de “Theos”, ou Deus, mas muito mais potente que a dos seres humanos. As relações desse daemon com os humanos eram, ambivalentes, às vezes, os daemons tendiam a ser prestativos, outras vezes tinham comportamentos contrários. Sócrates, por exemplo, afirmava ser inspirado por um daemon pessoal.  


Os daemons, tais como os sátiros, ninfas, fadas, duendes, eram divindades secundárias, sem nomes individuais que povoavam ou povoam aquela dimensão intermediária entre deuses de primeira e segunda classes e os mortais.



A magia dos daemons envolvia evocações, operações mágicas variadas e adivinhações. Como quase todas as formas de magia na Grécia, à exceção da magia órfica, não era praticada por um clero oficial, mas pelos membros de grupos de camadas sociais inferiores.

Quando o cristianismo alcançou o poder com o imperador Constantino, a Magia foi proibida no ano 313, no Edito de Milão. A tendência geral do século III em diante será identificar a perseguição não só dos praticantes da magia e de outras ciências ocultas como de todas as formas de culto religioso pagão. A partir de então a Igreja acabou colocando a Magia sob a jurisdição do Diabo e a transformou em Magia Negra, cujo poder originava nos “demônios”.

Para a Igreja, o poder da Magia se originava nos “demônios”, que eram, aos olhos dos primeiros padres cristãos, simples espíritos do mal chefiados por Satã. Essa noção do mal absoluto encarnado em uma figura satânica era estranha às crenças e às práticas gregas, egípcias e babilônicas, países tidos como intimamente ligados às origens da Magia. Para os pagãos todos os deuses tinham um lado bom e outro mau, sendo que ambos eram necessários ao equilíbrio natural.

A palavra “demônio” passou a significar uma palavra malévola, inclinada à destruição ou, no mínimo, ao molestamento da humanidade. Mas a palavra vem do grego daemon, que significava qualquer espírito, bom ou mau, e alguns dos celebrados manuais de demonologia tratam de espíritos bons e maus igualmente. Essa energia ou força espiritual ocupava uma posição intermediária na hierarquia sobrenatural; posição esta, às vezes, um pouco parecida com a de um Deus menor e considerada capaz de interferir em todo aspecto da atividade humana, se assim quisesse ou fosse impelida (ou convidada) a fazer.

Um sistema de Magia Real
A magia goética sobrevive ainda e ainda hoje encontramos registros de muitas histórias que falam de seus resultados rápidos e potentes. Alan Bennet, o mestre de Aleister Crowley, em um dos seus primeiros encontros com o seu discípulo, em 1899, disse a ele:
“Pequeno irmão, estais mexendo com a Goetia.”
Crowley negou e disse que não valia nem a pena pronunciar o nome.
Bennet replicou:
“Nesse caso a Goetia está mexendo contigo.”

Crowley junto com o seu companheiro mágico George Cecil Jones, utilizou a Goetia e evocaram o demônio Buer, que a sua particularidade é a cura das doenças; os dois desejavam ajudar o mestre mágiko de Crowley, Alan Bennet, que era gravemente doente de asma: Bennet deveria viajar em lugares com o clima mais quente, mas não havia os meios para fazer isso. Foi então que Crowley e George Cecil Jones resolveram evocar o demônio Buer fazendo o mesmo aparecer visivelmente, mas como o seu aspecto não correspondia à descrição da Goetia, os dois pensaram que a operação tivesse fracassado. Pouco depois, segundo Aleister Crowley, as coisas começaram a andar bem de maneira milagrosa: Bennet conseguiu se transferir ao Sri Lanka, como desejava. Crowley entendeu que, no final das contas, a operação foi um sucesso.

Na Ordo Lotus Nigra temos muitos exemplos de resultados satisfatórios através da fórmulas de magia cerimonial, tanto teúrgicas como goéticas. As operações e seus resultados observados encontram-se registrados nos diários mágikos dos membros de nosso círculo interno.

O valor psicológico das operações goéticas

Muitos dos grimoires, ou manuais de magia, contêm extensas listas de espíritos, que se referem a distintas hierarquias de reis, duques, príncipes, prelados, marqueses, e assim por diante. O primeiro livro do Legemeton ou Chave Menor do Rei Salomão chama-se “Goetia”.

O Lemegeton existe em muitos manuscritos originais que se diferenciam levemente um do outro, apresentando leves variações no nome dos espíritos; em algumas variações, o Lemegeton consiste em cinco partes e em outras somente quatro. Além da Goetia, tem a Theurgia Goetia, que descreve 31 espíritos correspondentes às direções cardinais, contém diversos selos e os espíritos descritos são considerados antes bons que malvados. O terceiro livro do Lemegeton é Ars Paulina, que fala dos anjos que correspondem às horas do dia e aos signos do zodíaco. O quarto livro é o mais curto e é chamado Ars Almadel. O quinto é Ars Notoria, e é o mais antigo, mas não aparece em todas as versões do Lemegeton.

O primeiro livro do Lemegeton é, como falamos, o Goetia. Este livro contém a descrição de 72 demônios e traz em maneira muito vívida a descrição do aspecto dos demônios, que são chamados através das evocações, e apresenta os seus nomes e classificação das hierarquias infernais e dos espíritos regentes que as controlam.

Cada demônio tem um selo; esses espíritos podem ser evocados por diversos motivos: aprender a filosofia ou até fazer com que as mulheres fiquem nuas ao comando do mago.

A Magia Goética é uma magia telúrica que invoca as forças infernais e ctónicas e que, por sua natureza, exige o controle do lado sombra da mente. Crowley observa em The Confessionis que goety é “a palavra técnica empregada para cobrir todas as operações daquela magia que lida com forças brutas, malignas ou sem luz”. Os encantamentos de fato sugerem muito fortemente o uivo dos lobos, os latidos dos chacais e o riso ululante e agudo das hienas, animais tradicionalmente associados com a feitiçaria e o mundo oculto.

A expressão “nomes bárbaros de evocação e invocação” refere-se à “fala mostruosa”, ou a fala dos mostros, e esta é a chave para o significado da palavra “goety”, uivante (como uma besta). 

Etimologicamente a palavra “goetia” vem de uma raiz grega que indica a magia e a bruxaria: um goetes era um tipo de mago escuro ou feiticeiro, diferente do teurgista que era um magus-sacerdote. Hoje, o termo Magus pode também abranger as formas mais obscuras de práticas mágicas e alquímicas, mas a antiga denominação de um mago escuro e de um conjurador de demônios era goetes.


 Alta Magia X Baixa Magia


A magia goética muitas vezes é chamada “Baixa Magia”, o contrário da “Alta Magia” ou Teurgia. A Baixa Magia, como no caso da Magia Goética, é muitas vezes vista como uma forma de magia finalizada a objetivos mesquinhos, mas se estudamos os dois tipos de magia é evidente que todas as duas satisfazem tipologias altas e baixas de desejos humanos.

O conceito de “Baixa Magia”, quando falamos de Goetia, não deve ser interpretado em termos qualitativos; os demônios ensinam também as artes mais refinadas e dão sabedoria (gnosis), vidência e iluminação. A crença em que os demônios objetivavam qualidades internas do operador nos possibilita reconhecer a verdadeira natureza desse tipo de magia – um sistema de controle da consciência.


 A pesquisa moderna mostrou que o cérebro se divide em regiões específicas, que governam formas de atividades especializadas. O estímulo (ou evocação) de uma determinada zona cerebral produz experiências e sensações específicas. Quando a fórmula mágika dos grimoires é compreendida nessa luz, surge um método lógico para evocar poderes latentes da consciência, que são transmitidos através de obscuras regiões do cérebro. Os símbolos, selos e monogramas pessoais dos demônios, que os grimoires fornecem, não são meros desenhos decorativos, mas vetores de força oculta (yantras) para animar as entidades que eles representam.

A descoberta do Deus Oculto

Mesmo sendo a Goetia o documento principal da Magia Goética prática, essa tradição não é baseada somente nela; existem outros textos salomônicos e demonológicos, como o “Dragon Rouge” e o “Grimorium Verum”, que podem ser definidos goéticos, assim como os grimorios de Faust como “Magia Naturali et Innaturalis” e textos demonológicos qabalísticos como “A Magia Sagrada de Abramelin, o Mago”. Além disso, precisamos lembrar ao leitor que os primeiros registros escritos da palavra “Goetia” datam de até cem anos antes do início da era vulgar na Grécia antiga.
Na Ordo Lotus Nigra  a denominação “Teurgia Goética” incorpora diversas técnicas mágicas tidas como “Mão Esquerda”, inclusive a Magia Sexual. O objetivo maior não é o uso de espíritos goéticos para obter favores ou vantagens materiais, mas antes na descoberta do Deus Oculto do magista (homem ou mulher) que é seu Anjo-Daemon.
As fórmulas de Teurgia Goética fornecem as chaves para abertura do Portal de Shugal-Choronzon em Daat, o caminho retrógrado em direção ao Sol Negro, o Deus Sol nas profundezas da escuridão ou Amenti.
Amenti ou Amenta é o local do Sol Oculto. A palavra Amen significa “o oculto” e ta significa “terra” ou “morada”. Amenti é, assim, o lugar dos espíritos dos mortos; quer dizer, mortos para a mente consciente, mas muito vivos para o subconsciente. Assim inferno é o local do Sol Oculto – o buraco ou sala dos mortos, sendo os “mortos” as imagens esquecidas de nossos passados que respondem ao encantamento e ressurgem na carne no presente.
No contexto das práticas magísticas da OLN o termo "Teurgia Goética" forma a base prática para contatar o Deus Oculto (o mais oculto de todos os deuses ou daemons) que assume a forma de Sagrado Anjo Guardião. A manifestação do Deus Oculto ilumina os Abismos internos do iniciado, trazendo à sua consciência atavismos pré-humanos e poderes latentes sob o domínio da Vontade.
A fórmula principal é aquela da Besta e da Deusa unidos, e a chave de sua união é o número Onze, que é o número portal da magia ou da transformação. A transformação do totem animal em Deus, segundo a maneira dos antigos mistérios egípcios, foi revivida na Aurora Dourada onde era conhecida como “assunção de forma-deus”. Essa também é a fórmula de IX grau O.T.O, a qual supõe-se a união total entre Espírito (Deusa) e Carne (Therion), Shin e Theth, o que produz, além do nascimento de uma criança mágicka (efeito prático do encantamento) inteligência e poderes supra-humanos.

Evocação de Atavismos Pré-humanos

Os espíritos elementais são espíritos não-humanos que pertencem às essências sutis dos elementos água, ar, terra e fogo. Esses espíritos da natureza podem ser adequadamente evocados na prática goética embora os mais importantes, do ponto de vista da magia prática, são as energias da mente subconsciente, que adquirem forma sensível quando adequadamente evocadas. Eles representam os poderes da consciência anteriores à sua incorporação em forma humana. Pertencem à natureza dos atavismos, e são conjurados por Adeptos que desejam exercer atividades sobre-humanas, são então conhecidos como servidores mágikos ou espíritos familiares.


Atavismos são fatores no fundo da mente que, segundo a teoria do moderno ocultismo, são remanescentes dos ancestrais pré-humanos do homem, legados do tempo de criaturas parte homem e parte fera. São essas forças primais que podem ser evocadas pelo feiticeiro (ou mago ocultista) a tomarem forma no Plano Astral. Ele então direciona essas forças para cumprir determinadas tarefas, o que dispensa a ajuda, eventual, de elementais comuns. A exaltação de atavismos pelo feiticeiro é também utilizado para despertar níveis subliminares de consciência de modo a revitalizar poderes sobre-humanos adormecidos. Isto se relaciona com o conceito de deuses animais para as suas origens xamânicas, onde o shaman descobre o seu animal de poder, e passa a trabalhar magisticamente com ele. 
Num sentido mais amplo, a palavra "atavismo" é usada pelos ocultistas para designar o aparecimento de caracteres vindos de muito longe e que constituem reencarnações ou corporificações recentes de consciências pré-humanas; ou então de fatos, cuja origem remonta a um passado em que as criaturas eram metade humanas e metade animais. Atavismos deste tipo são bastante raros e quase nunca aparecem espontaneamente.

Projetar sombras na Matriz Astral é uma técnica de ressurgência atavística. Os primeiros feiticeiros foram aqueles que conseguiram evocar seus atavismos pré-civilizados, ou lembranças selvagens em uma imagem mental, e materializa-los na realidade. Este é um processo relacionado à mais velha Magia, o que é resgatado nos ritos de Teurgia Cerimonial da Ordem do Lótus Negro (O.L.N).

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