O Torpor

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As ondas pulsam em azul turvo, tênue nas bordas, profundo e oceânico em seu núcleo. Eu tomo maior atenção, parece um olho a me observar. Ele se expande, e logo contrai, tragando meu espírito ainda mais fundo dentro de si.
Forças misteriosas assumem posição nesse jogo nefasto de sedução e melancolia. Não estou certo se o Vazio dela me atraiu, ou se fui sumariamente sugado por ele. Como uma ilusão de ótica, ela parece maior e mais distante, sempre que dou um passo à frente. Eu estendo o braço, ansioso por sentir seu toque, mas a imagem corre de mim, ampliando, tomando novos contornos e revelando outros detalhes. No momento, ela é um país rico e abundante - temo que em pouco tempo ela seja o meu mundo inteiro. Um playground cheio de aventuras e descobertas curiosas, intrigantes.
Feito um faquir, caminho sobre a brasa de seus desejos, mas desconheço o caminho. As fronteiras entre os domínios ainda me são confusas. Não costumava, ali, haver uma fortaleza? E quanto àquela cadeia de montanhas? Não me lembro de tê-la visto antes. A paisagem se modifica de forma tão suave que ilude aos meus olhos. Uma transição de emoções, atitudes, declarações, cobranças e expectativas me aturdem os sentidos, encharcando meus poros com uma fragrância pegajosa – não consigo expurga-la de minha pele. Impregnou-se em mim e me seguiu para todo lugar, até finalmente entranhar-se em minha carne, feito tatuagem, cicatriz antiga.
Em minhas peregrinações, encontro o leito de um rio completamente seco. A região à sua volta parece ameaçada pela escassez de água. As copas das árvores encolheram, as folhas perderam sua coloração viva e reluzente, os galhos estão quebradiços e porosos. Os animais, poucos sobreviventes, fogem ao me avistar. Eu sinto o peito pesar perante tanta violência e desalento. Desço o leito do rio, caio de joelhos, começo a chorar, soluçando convulsivamente, mas as lágrimas não querem cair.
Sinto um objeto metálico sob meu joelho. Vejo a ponta de uma faca na terra. Recolho-a e cravo ela no peito, traçando um corte longitudinal. O corte cresce por conta própria, me rasgando no meio e jorrando meu sangue na terra. Eu caio para frente, dividido, e vejo meu sangue encharcar tudo à minha volta. O sangue não para de crescer, incorporando o leito do rio, tornando-se o próprio rio, diluindo o vermelho de minhas dores em uma água cristalina e rica em minerais.

A terra respira novamente. As árvores florescem seus frutos. Os animais vêm bebericar as minhas águas. Os peixes voltam a nadar em minha correnteza. Em toda a parte, a vida renasce e se abunda como nunca antes. Eu me tornei o rio em seu coração. Abri meu peito, indecorosamente, apenas para lhe nutrir da minha Vontade e fazer crescer seus sentimentos por mim.

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