RASGA MORTALHA inspirado em O CORVO por natanael gomes de alencar

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 ...Meia-noite? Tava zonzo aquela noite, sem noção.
Folheava um pornô raro, cheio de poeira fininha.
Meu olhar arruinado debulhava sobre a mesa.
“Ouço o som do interfone!” Estiquei-me. Dor na espinha.
“Quem toca meu interfone, causando esta dor na espinha?
...Deve ser vento. Ou gentinha.”

Foi no final de setembro. Meu aniversário, eu lembro.
Não paguei a luz. Velavam sombras no chão da cozinha.
Ansiava logo o dia. Esta noite me soprava
Direto – desmiolava  – o nome de Amelinha,
Que eu chamava em orgias na memória. - Amelinha !!!
Nas mãos orgasmos retinha.

A cortina na vidraça balançava, piorando
Minha insana arritmia, que surdez dava em galinha.
Ouço de novo o interfone como fosse o fim do mundo.
“É uma cliente atrasada??? De dar ou recatadinha ???
Que gosta de poema à noite ??? Pode ser uma vizinha
Solteira, boa e sozinha...”

Ponho a chave, tagarela, na fechadura que a entorta.
“ 'Sinhó'...quer dizer, Menina, não repare a demorinha.
Estava morto de sono, e o interfone está tão fraco.
Extenuado, tonto, tenso, a lerdeza me acarinha”.
Eis que escancaro a porta: toda a rua em breu, todinha !
A noite em pelo, nuazinha !

E tremeu-me o coração em descompasso inflamado:
“ Mas que breu tão pavoroso, que mais ao nada sublinha.
De espantar, causando artrose até em perninhas lindas. ”
Grito, choroso, bem alto, o nome de Amelinha.
Adormecido, o eco ao longe adere: - Amelinha !
O desespero me aninha.

Volto e entro no meu quarto, e ainda em prantos, da vidraça
Ouço um som mais forte e caio, em cagaço, nas glicínias.
“Terei de ver de pertinho se há vidro em solto encaixe.
Passar tempo nisto é saco, é foda e das malfeitinhas.
Pode ser o vento a causa destas estremecidinhas.
E é sinal que vem chuvinha.”

Abro a vidraça e bem presto um fedor entra, esvoaça.
Faço rastilho na cueca. Voam diversas peninhas.
Inhaca de milhões de anos... “- Caralho, é a Rasga-Mortalha !”
Pousa bem por sobre a porta, num busto do poetinha.
Tapa a testa do poeta, numa pose de putinha.
Teeeemor causou-me? Brrrrr...naadiiinha...

Falei à Rasga-Mortalha com simulado carinho:
“Embora você precise ser mais suave, corujinha,
E ter mais educação ao entrar no oco dos lares,
Me atrevo a interrogar-lhe, ó ave de ignomínia:
Que nome tem no Inferno? (Por aqui é Suindarinha).”
“- Nunca Mais!” – disse a tolinha.

Quedei-me, boquiaberto, de ouvi-la falar de perto.
Se seu nome é Nunca Mais eu me chamo Zé Nunquinha...
Escolheu a minha porta, torta de cupim inflado...
“Vejo marcas no seu bico da maldição de Lavínia,
Moça sem mãos e sem língua, à qual Ovídio se avinha..
Nunca...ic mais bebo...ic...nadinha.”

Encarei a ex-Suindara, fiz cara de dó e nada.
Deu àquele Nunca Mais toda a força que a mantinha.
Depois ficou lá, calada, piscando seu cu na cauda.
Disse a ela, em meu pensar: “sei que dessa porta minha
Sairá, qual meus amigos, sem maconha e sem farinha.”
“ - Nunca Mais!” – disse a saidinha."

“Onde qu’aprendeu tal frase? Foi pelo pai amestrada?
Deve tê-la ensinado muito agouro em dobradinha.
Não só de rasgar mortalha seu agouro se sustenta?
Concedesse o pai a ela a atração de uma Zínia !
Sua frase de sepulcro não é arte comezinha...
“ - Nunca Mais!” – diz. E definham.

Encostei - me na poltrona de corino quebradiço,
E pensei sobre a razão do agouro dessa mesquinha,
Que fazia uivar caveiras de tempos escurecidos.
Não me rasgou a mortalha, quando entrou na janelinha,
Mas me cortou com a frase sem sequer dar talhadinha.
“Nunca mais!” - disse. E nadinha.

Revi o drama de Suindara quando era uma de nós:
Amava o filho de um Conde, mas não amava sozinha.
Insana e sonsa, a Dessinha, segunda esposa do Conde
Mandou matar Suindara, de Eliel bela criancinha.
Eliel, famoso bruxo que adorava sua Darinha...
Como amava sua filhinha!

Com estátua de coruja enfeitaram a sua cripta
Pois além de carpideira do povo era “fessorinha”.
Eliel fez um feitiço, descobrindo a assassina.
E à filha tornou coruja, com fúria qual das Eríneas,
Deu a vida da Condessa à furiosa corujinha...
E foi-se ao nada a Dessinha.

Depois disso, quanta morte anunciou neste mundão.
"Terá cansado de voar por toda a parte a carpinha?
Por qual razão veio aqui com seu ar amortalhado?
Será só para lembrar o que fiz com Amelinha?
Voltarei a ver sua pele em pureza molhadinha?
“ - Nunca mais!” – disse a talzinha.

Senti em dantesca treva o premir de ossudo abraço.
A casa foi s’encolhendo, sem terror de mentirinha,
Então, bradei: “Rasgadinha, me lança logo no inferno !!!
Bendita a hora em que fui à cidade de Amelinha;
Esquecerei o meu corpo dentro de sua joinha ?”
“-Nunca mais!” – disse a fuinha.

“Ó infame e vã penosa, haverá um lenitivo
Que possa me ajudar? Responda a mim, podrezinha!
Rompi a luz de Amélia, zoião doido de chacrinha !
Seu pai romperá a minha! Terei paz nesta casinha,
Onde matei na poltrona sua virgindadezinha?”
 “– Nunca Mais!” – disse a louquinha.

“Poderei desenterrar nossa brancura de antes,
Devolver aos nossos corpos a ternura que detinham,
Pôr no Instagram, Twitter, Face, que simulam ser vidinhas,
E depois impulsionar a candura em risadinhas
Pela Praça onde brincamos de amassar grama verdinha??? ”
“- Nunca mais!” – disse a cuzinha.

“Parta, agora, peste, diaba, deixe-me quieto no quarto;
Tava bem feliz jogado neste, sem suas garrinhas
Que afundaram na minhalma, fio de arremedo que encorpo.
Tire as garras desta vida, que logo o pai de Amelinha
Vindo lá do interior cortará sem ter dozinha !”
"-  Nunca Mais!”- disse a tranquinha.


A ave não fez mais gesto. Nos seus olhos mais malícia.
Meus temores eram nada na sua vida sanguínea.
Outra vez o interfone: é o pai dela a tocar?
 "Pode voltar o cabaço à carne que o detinha?”
“Nem à sua, nem à minha” – puxa meu pau Amelinha
Pra baixo da cobertinha.

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