DOGMA E RITUAL DA ALTA MAGIA - INTRODUÇÃO

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A mão sacerdotal fazendo o sinal do esoterismo e projetando na sombra a figura do demônio. Em cima vê-se o às de ouro do Taro chinês e dois triângulos sobrepostos, um branco e outro preto. É uma nova alegoria para explicar os mesmos mistérios; é a origem do bem e do mal; é a criação do demônio pelo mistério.

Através do véu de todas as alegorias hieráticas e místicas dos antigos dogmas, através das trevas e provas bizarras de todas as iniciações, sob o selo de todas as escrituras sagradas, nas ruínas de Nínive ou Tebas, sobre as pedras carcomidas dos antigos templos e a face escurecida das esfinges da Assíria e do Egito, nas pinturas monstruosas ou maravilhosas que produzem para o crente da Índia e as páginas sagradas dos Vedas, nos emblemas estranhos dos nossos velhos livros de alquimia, nas cerimônias de recepção praticadas por todas as sociedades misteriosas, encontram - se os traços de uma doutrina em toda parte a mesma e em toda parte escondida cuidadosamente. A filosofia oculta parece ter sido a nutriz ou matriz de todas as forças intelectuais, a chave de todas as obscuridades divinas, e a rainha absoluta da sociedade, nos tempos em que era exclusivamente reservada à educação dos padres e dos reis.

Ela reinava na Pérsia com os magos, que um dia pereceram como perecem os senhores do mundo, por terem abusado do seu poder; ela dotara a Índia das tradições mais maravilhosas e de um incrível luxo de poesia, graça e terror nos seus emblemas; ela civilizara a Grécia aos sons da lira de Orfeu; ela escondia o princípio de todas as ciências e de todos os progressos do espírito humano nos cálculos audaciosos de Pitágoras; a fábula estava cheia dos seus milagres, e a história, quando procurava ajuizar sobre esta potência incógnita, se confundia com a fábula; ela abalava ou fortalecia os impérios pelos seus oráculos, fazia empalidecerem os tiranos nos seus tronos e dominava todos os espíritos pela curiosidade ou pelo temor. A esta ciência, dizia a multidão, nada é impossível; ela manda nos elementos, sabe a linguagem dos astros e dirige a marcha das estrelas; a lua, à sua vez cai ensanguentada do céu; os mortos se endireitam no seu túmulo e articulam com palavras fatais o sopro do vento noturno que sibila nos seus crânios. Senhora do amor ou do ódio, a ciência pode dar à vontade, aos corações humanos, o paraíso ou o inferno; ela dispõe à vontade de todas as forças e distribui a seu bel-prazer a beleza ou a fealdade; ela muda, com a varinha de Circe, os homens em brutos e os animais em homens; ela dispõe até da vida ou da morte, e pode conferir aos seus adeptos a riqueza pela quintessência e seu elixir composto de ouro e luz. Eis o que fora a magia desde Zoroastro até Manes, desde Orfeu até Apolônio Thyana, quando o cristianismo positivo, triunfando enfim dos belos sonhos e das gigantescas aspirações da escola de Alexandria, ousou fulminar publicamente com seus anátemas esta filosofia, e a reduziu, assim, a ser mais oculta e mais misteriosa que nunca. Aliás, corriam, a respeito dos iniciados ou adeptos, murmúrios estranhos e alarmantes; estes homens em toda parte estavam rodeados de uma influência fatal: matavam ou faziam enlouquecer os que se deixavam arrastar pela sua melíflua eloquência ou pelo prestígio do seu saber. As mulheres quem amavam tornavam-se estriges, os seus filhos desapareciam nos seus conventículos noturnos, e com estremecimento se falava, em voz baixa, de sangrentas orgias e abomináveis festins. Tinham sido encontrados ossos nos subterrâneos dos antigos templos, uivos tinham sido ouvidos durante a noite; as searas definhavam e os rebanhos ficavam lânguidos quando o mago tinha passado. Doenças que desafiavam a arte da medicina apareciam, às vezes, no mundo, e era sempre, diziam, sob o olhar envenenado dos adeptos. Enfim, um grito universal de reprovação se elevou contra a magia, de que só o nome se tornou um crime, e o ódio do vulgo se formulou por esta sentença: "Os magos ao Fogo!”, como disseram séculos antes: “Os cristãos aos leões!”

Ora, a multidão nunca conspira senão contra as potências reais; ela não tem a ciência do que é a verdade, mas tem o instinto do que é forte.

Estava reservado ao século XVIII rir- se ao mesmo tempo dos cristãos e da magia, preocupando- se com as homilias de Jean-Jacques e os prestígios de Cagliostro.

Todavia, no fundo da magia há a ciência, como no fundo do cristianismo há o amor; e, nos símbolos evangélicos, vemos o Verbo encarnado ser, na sua infância, adorado por três magos que uma estrela guia (o ternário e o signo do microcosmo), e recebe deles o ouro, o incenso e a mirra: outro ternário misterioso, sob cujo emblema estão contidos alegoricamente os mais elevados segredos da Cabala.

O cristianismo não devia, pois, dedicar ódio à magia; mas a ignorância humana sempre tem medo do desconhecido. A ciência foi obrigada a ocultar-se para escapar às agressões apaixonadas de um amor cego; ela se envolveu em novos hieróglifos, dissimulou seus esforços, disfarçou suas esperanças. Então foi criada a algaravia da alquimia, contínua decepção para o vulgo, alteração de ouro e linguagem viva somente para os verdadeiros discípulos de Hermes.

Coisa singular! Existe entre os livros sagrados dos cristãos, duas obras que a Igreja infalível não tem a pretensão de compreender e nunca tenta explicar: a profecia de Ezequiel e o Apocalipse ; duas clavículas cabalísticas, reservadas, sem dúvida, no céu aos comentários dos reis magos; livros fechados com sete selos para os crentes fiéis, e perfeitamente claros para o infiel iniciado nas ciências ocultas.

Um outro livro existe ainda; mas esse, ainda que, de algum modo, seja popular e que possa ser encontrado em toda parte, é o mais oculto e o mais desconhecido de todos, porque contém a chave de todos os outros; está na publicidade sem ser conhecido pelo público; não se pensa encontrá-lo onde está e perderiam muito tempo em procurá-lo onde não está, se desconfiassem da sua existência. Este livro, talvez mais antigo que o de Enoque, nunca foi traduzido, e é inteiramente escrito em caracteres primitivos e em páginas separadas com as tabuletas dos antigos. Um sábio distinto revelou, sem que o tenham notado, não precisamente seu segredo, mas a sua antiguidade e singular conservação; um outro sábio, porém de espírito mais fantástico do que judicioso, passou trinta anos a estudar esse livro, e somente suspeitou da sua importância. É, com efeito, uma obra monumental e singular, simples e forte como as pirâmides, e, por conseguinte, duradoura como elas; livro que resume todas as ciências e cujas combinações infinitas podem resolver todos os problemas; livro que fala fazendo pensar; inspirador e regulador de todas as concepções possíveis; talvez a obra-prima do espírito humano e, certamente, uma das mais belas coisas que a antiguidade nos deixou; clavículas universais, cujo nome só foi compreendido e explicado pelo sábio iluminado Guilherme Postello; texto único, do qual somente os primeiros caracteres arrebataram o espírito religioso de Saint-Martin e teriam dado a razão ao sublime e infeliz Swedenborg. Mais tarde falaremos desse livro, e a sua explicação matemática e rigorosa será o complemento e a coroa do nosso consciencioso trabalho.

A aliança original do cristianismo e da ciência dos magos se for bem demonstrada, não será uma descoberta de medíocre importância, e não duvidamos que o resultado de um estudo sério da magia e da Cabala leve os espíritos sérios à conciliação, considerada até agora como impossível, da ciência e do dogma, da razão e da fé.

Dissemos que a Igreja, cujo atributo principal é ser depositária das chaves, não pretende ter as do Apocalipse ou das visões de Ezequiel. Para os cristãos e na sua opinião, as clavículas científicas e mágicas de Salomão estão perdidas. Todavia, é certo que, no domínio da inteligência governada pelo Verbo, nada se perde do que é escrito. Somente as coisas que os homens cessam de entender não existem mais para eles, ao menos como verbo; elas entram, então, no domínio dos enigmas e do mistério.

Aliás, a antipatia e até a guerra declarada da Igreja oficial contra tudo o que entra no domínio da magia, que é uma espécie de sacerdócio pessoal e emancipado, provêm de causas necessárias e até inerentes à constituição social e hierárquica do sacerdócio cristão. A Igreja ignora a magia, porque deve ignorá- la ou perecer, como nós o provaremos mais tarde; ela nem ao menos reconhece que o seu misterioso fundador foi saudado no seu berço por três magos, isto é, pelos embaixadores hieráticos das três partes do mundo conhecido, e dos três mundos analógicos da filosofia oculta.

Na Escola de Alexandria, a magia e o cristianismo quase que se dão a mão, sob os auspícios de Ammonio Saccas e Platão. O dogma de Hermes se acha quase inteiro nos escritos atribuídos a Diniz, o Areopagita. Sinésio traça o plano de um tratado dos sonhos, que mais tarde, devia ser comentado por Cardan, e compõe hinos que poderiam servir à liturgia da igreja de Swedenborg, se uma igreja de iluminados pudesse ter uma liturgia. É também a esta época de abstrações ardentes e logomaquias apaixonadas que é preciso reatar o reino filosófico de Juliano, denominado o Apóstata, porque na mocidade fizera contra a vontade, profissão do Cristianismo. Todos sabem que Juliano teve a desdita de ser um herói de Plutarco fora de tempo, e foi, se é permitido falar assim, o Dom Quixote da cavalaria romana; mas o que todos não sabem é que Juliano era um iluminado e um iniciado de primeira ordem; é que ele acreditava na unidade de Deus e no dogma universal da Trindade; numa palavra, é que ele, de nada mais do velho mundo tinha saudade, a não ser dos seus magníficos símbolos e das suas muito graciosas imagens. Juliano não era um pagão, era um gnóstico imbuído de alegorias do politeísmo grego e que tinha a infelicidade de achar o nome de Jesus Cristo menos sonoro que o de Orfeu. Nele, o imperador pagou pelos gostos do filósofo e do retórico, e depois que deu a si próprio o espetáculo e o prazer de expirar como Epaminondas, com frases de Catão, teve, na opinião pública, já inteiramente cristã, anátemas por oração fúnebre e um epíteto infamante por última celebridade.

Passemos por cima das pequenas coisas e dos pequenos homens do Baixo Império e chegamos à Idade Média... Tomai, pegai este livro: lêde na sétima página, depois assentai-vos no manto que vou estender e de que poremos uma ponta sobre os nossos olhos... A vossa cabeça gira, não é verdade, e vos parece que a terra foge debaixo de vossos pés? Ficai forme e não olheis. A vertigem cessa; chegamos. Levantai -vos e abri os olhos, mas deixai de fazer qualquer sinal e de falar qualquer palavra de cristianismo. Estamos numa paisagem de Salvator Rosa. É um deserto atormentado que parece repousar depois da tempestade. A lua não aparece mais no céu; não vedes, porém, as estrelas dançarem no tojal? Não ouvis voarem, ao redor de vós, pássaros gigantescos que, ao passar, parecem murmurar palavras estranhas? Aproximemo- nos em silêncio desta encruzilhada nos rochedos. Uma rouca e fúnebre trombeta se faz ouvir; tochas pretas estão acesas em todos os lados. Uma assembléia tumultuosa se aperta ao redor de uma cadeira vazia; olham e esperam. Imediatamente, todos se prosternam e murmuram: “Ei-lo! ei-lo! é ele!” Um príncipe de cabeça de bode chega, pulando; sobre o trono; volta-se e, abaixando-se, apresenta à assembléia uma figura humana a quem todos vêm, com uma vela preta na mão, fazer saudação e dar um beijo; depois ele se endireita com um riso estridente e distribui ouro, instruções secretas, medicinas ocultas e venenos. Durante este tempo são acesos fogos, o pau de aulno e feto é queimado junto com ossos humanos e a banha de supliciados. Druidizas coroadas de aipo silvestre e verbena sacrificam com foicinhas de ouro crianças subtraídas ao batismo e preparam horríveis ágapes. As mesas estão postas: os homens mascarados se colocam ao lado das mulheres seminuas, e começa-se o festim das bacanais; nada falta, exceto o sal, que é o símbolo da sabedoria e da imortalidade. O vinho corre em borbotões, e deixa manchas semelhantes às do sangue; os propósitos obscenos e as loucas carícias começam; eis que toda a assembléia está cheia de vinho, crimes, luxúria e canções; levantam-se em desordem e correm a formar as rodas infernais... Chegam, então, todos os monstros da lenda, todos os fantasmas do pesadelo; enormes sapos embocam a flauta às avessas, e sopram apertando as coxas com os pés; escarabeus coxos entram na dança, caranguejos tocam castanholas; crocodilos fazem berimbaus das suas escamas, elefantes e mamutes chegam vestidos em forma de Cupido e levantam as pernas dançando. Depois, as rodas fora de si, se rompem e se dispersam... Cada dançador arrasta, uivando, uma dançadora desgrenhada... As lâmpadas e candeias de sebo humano se extinguem, esfumaçando na sombra ... Ouvem-se cá e acolá gritos, gargalhadas, blasfêmias e despropósitos... Vamos, acordai-vos e não façais o sinal da cruz: eu vos trouxe à vossa casa e estais no vosso leito. Estais um pouco fatigado, um pouco impressionado até, pela vossa viagem e vossa noite; mas vistes uma coisa de que todos falam sem conhecer; sois iniciado em segredos terríveis como os do antro de Trofônio: assististes o Sabbat! Resta-vos agora, não ficar louco, e manter-vos, num temor salutar da justiça, a uma distância respeitosa da Igreja e das suas fogueiras!

Quereis ver ainda alguma coisa menos fantástica, mais real e até verdadeiramente mais terrível? Eu vos farei assistir ao suplício de Jacques de Molay e dos seus cúmplices ou dos seus irmãos no martírio... Mas, não vos enganeis e não confundais o culpado com o inocente! Os templários adoram realmente Baphomet? Deram um beijo humilhante na face posterior do bode de Mendes? Qual era, pois, esta associação secreta e poderosa que pôs em perigo a Igreja e o Estado, e que matam sem ouvi-la? Nada julgueis levianamente: são culpados de um grande crime: deixaram os profanos verem o santuário da antiga iniciação; colheram ainda uma vez e repartiram entre si, para tornarem-se, assim, senhores do mundo, os frutos da ciência do bem e do mal. A sentença que os condena vem de mais alto que do próprio tribunal do papa ou do Rei Filipe, o Belo. “Desde o dia em que comeres deste fruto, serás ferido de morte”, tinha dito o próprio Deus, como veremos no livro do Gênese.

Que é que se passa, pois, no mundo, e por que os padres e reis tremeram? Que poder secreto ameaça as tiaras e coroas? Eis aqui alguns loucos que correm de país em país, e que escondem, dizem eles, a pedra filosofal sob os restos da sua miséria. Podem mudar a terra em ouro e falta-lhe asilo e pão! A sua fronte é cingida por uma auréola de glória e um reflexo de ignomínia! Um achou a ciência universal, e não sabe como morrer para escapar às torturas do seu triunfo: é o Majorcano Raimundo Lullo. Outro cura com remédios fantásticos as doenças imaginárias e dá adiantadamente um desmentido formal ao provérbio que estabelece a ineficácia de um cautério numa perna de pau: é o maravilhoso Paracelso, sempre bêbado e sempre lúcido como os heróis de Rabelais. Aqui, é Guilherme Postello, que escreveu ingenuamente aos padres do concílio de Trento, porque achou a doutrina absoluta, escondida desde o começo do mundo, e que ele demora em fazer- lhes participar. O concílio nem mesmo se inquieta do louco, não se digna condená-lo, e passa ao exame das graves questões da graça eficaz e da graça suficiente. Aquele que vemos morrer pobre e abandonado é Cornélio Agrippa, o menos mágico de todos, e aquele que o vulgo se obstina em tomar pelo mais feiticeiro, porque, às vezes, era satírico e mistificador. Que segredo, pois, todos estes homens levam ao seu túmulo? Por que os admiram, sem os conhecer? E por que são eles iniciados nessas terríveis ciências ocultas de que a Igreja e a sociedade têm medo? Por que sabem o que os outros homens ignoram? Por que dissimulam o que cada qual tem desejo ardente de saber? Por que estão investidos de um terrível e desconhecido poder? As ciências ocultas! A magia! Eis aí duas palavras que vos dizem tudo o que podem vos fazer pensar ainda mais! De omni re scibili et quibusdam aliis.

Que era, pois, a magia? Qual era, pois, o poder destes homens tão perseguidos e tão altivos? Por que, se eram tão fortes, não foram vencedores dos seus inimigos? Por que, se eram insensatos e fracos, lhes faziam a honra de os temer tanto? Existe uma magia, existe uma ciência oculta que seja verdadeiramente um poder e que opere prodígios capazes de fazer concorrência aos milagres das religiões autorizadas?

A estas duas perguntas principais responderemos com uma palavra e por um livro. O livro será a justificação da palavra, e esta palavra ei-la: sim, existiu e existe ainda uma magia poderosa e real; sim, tudo o que as lendas disseram era verdade; somente que aqui, e ao contrário do que de ordinário acontece, as exagerações populares não só estavam afastadas, como também abaixo da verdade.

Sim, existe um segredo formidável, cuja revelação já derrubou um mundo, como o atestam as tradições religiosas do Egito, resumidas simbolicamente por Moisés, no começo do Gênese . Este segredo constitui a ciência fatal do bem e do mal, e o seu resultado, quando é divulgado, é a morte. Moisés o representa sob a figura de uma árvore que está no centro do Paraíso terrestre, e que está perto, e até ligada pelas suas raízes à árvore da vida; os quatro rios misteriosos têm a sua fonte ao pé desta árvore, que é guardada pela espada de fogo e pelas quatro formas da esfinge bíblica, o Querubim de Ezequiel... Aqui devo parar; temo já ter falado demais.

Sim, existe um dogma único, universal e imperecível, forte como a razão humana, simples como tudo o que é grande, inteligível como tudo o que é universal e absolutamente verdadeiro, e este dogma foi o pai de todos os outros.

Sim, existe uma ciência que confere ao homem prerrogativas em aparência sobrehumanas; ei-las tal como as acho enumeradas num manuscrito hebreu do século XVI:

Eis aqui, agora, quais são os privilégios e poderes daquele que tem na sua mão direita as clavículas de Salomão e na esquerda o ramo de amendoeira florida:


Aleph - Vê Deus face a face, sem morrer, e conversa familiarmente com o sete gênios que mandam em Toda a milícia celeste.
Beth - Está acima de todas as aflições e de todos os temores.
Ghimel - Reina com o céu inteiro e se faz servir por todo o inferno.
Daleth - Dispõe da sua saúde e da sua vida e pode também dispor das dos outros.
Hê - Não pode ser surpreendido pelo infortúnio, nem atormentado pelos desastres, nem vencido pelos inimigos.
Vav - Sabe a razão do passado, do presente e do futuro.
Zain - Tem o segredo da ressurreição dos mortos e a chave da imortalidade.

São estes os sete grandes privilégios. Eis os que seguem depois:

Cheth - Achar a pedra filosofal.
Teth - Ter a medicina universal.
Iod - Conhecer as leis do movimento perpétuo e poder demonstrar a quadratura do círculo.
Caph - Mudar em ouro não só todos os metais, mas também a própria terra, e até as imundícies terra.
Lamed - Dominar os animais mais ferozes, e saber dizer palavras que adormecem e encantam serpentes.
Mem - Possuir a arte notória que dá a ciência universal.
Nun - Falar sabiamente sobre todas as coisas, sem preparação e sem estudo.

Eis aqui, enfim, os sete menores poderes do mago:

Samech - Conhecer à primeira vista o fundo da alma dos homens e os mistérios do coração das mulheres.

Hain - Forçar, quando lhe apraz, a natureza a
manifestar-se.

Phe - Prever todos os acontecimentos futuros que não dependam de um livre-arbítrio superior ou de uma causa incompreensível.

Tsade - Dar de momento e a todos as consolações mais eficazes e os conselhos mais salutares.

Coph - Triunfar das adversidades.

Resch - Dominar o amor e o ódio.

Schin - Ter o segredo das riquezas, ser sempre seu senhor e nunca o escravo. Saber gozar mesmo da pobreza e jamais cair na abjeção nem na miséria.
Thau - Acrescentaremos a estes setenários, que o sábio governa os elementos, faz cessar as tempestades, cura os doentes, tocando-os, e ressuscita os mortos!

Mas há coisas que Salomão selou com o seu tríplice selo. Os iniciados sabem, basta. Quanto aos outros, que riam, creiam, duvidem, ameacem ou tenham medo, que importa à ciência e que nos importa?

Tais são, com efeito, os resultados da filosofia oculta, e estamos em condições de não temer uma acusação de loucura ou uma desconfiança de charlatanismo, afirmando que todos estes privilégios são reais. É o que o nosso trabalho inteiro sobre a filosofia oculta terá por fim demonstrar.

A pedra filosofal, a medicina universal, a transmutação dos metais, a quadratura do círculo e o segredo do movimento perpétuo, não são, pois, nem mistificações da ciência nem ilusões de loucura; são termos que se devem entender no seu verdadeiro sentido, e que exprimem os diferentes empregos de um mesmo segredo, os diferentes caracteres de uma mesma operação que definimos de um modo mais geral, chamando-a somente a grande obra.

Existe também, na natureza, uma força muito mais poderosa que o vapor, e por meio da qual um só homem que pudesse apoderar-se dela e soubesse dirigi-la, transformaria e mudaria a face do mundo. Esta força era conhecida pelos antigos; ela consiste num agente universal, cuja lei suprema é o equilíbrio e cuja direção está diretamente ligada com o grande arcano de magia transcendente. Pela direção deste agente pode-se mudar até a ordem das estações, produzir à noite os fenômenos do dia, corresponder num instante de uma extremidade à outra da Terra, ver como Apolônio o que se passa no outro lado do mundo, curar ou ferir à distância, dar à palavra sucesso e repercussão universais. Este agente que apenas se revela sob as pesquisas dos discípulos de Mesmer, é precisamente o que os adeptos da Idade Média chamavam a matéria-prima da grande obra. Os gnósticos faziam dele o corpo ígneo do Espírito Santo, e era ele que era adorado nos ritos do Sabbat ou do templo, sob a figura hieroglífica de Baphomet ou do bode Andrógino de Mendes. Tudo isto será demonstrado.

Tais são os segredos da filosofia oculta, tal nos aparece na história a magia; vejamo-la, agora, nos livros, nas obras, nas iniciações e nos ritos.

A chave de todas as alegorias mágicas se acha nas folhas que mencionamos, e que cremos ser obra de Hermes. Ao redor deste livro, que se pode chamar a chave de arco de todo o edifício das ciências ocultas, vêm se ordenar inúmeras lendas que são ou a sua tradução parcial ou o seu comentário renovado incessantemente, sob mil formas diferentes. Às vezes, essas fábulas engenhosas se agrupam harmoniosamente e formam uma grande epopéia que caracteriza uma época, sem que a multidão possa explicar o como ou o porquê. É assim que a história fabulosa do Tosão de Ouro resume, ocultando-os, os dogmas herméticos e mágicos de Orfeu, e se só remontamos às poesias misteriosas da Grécia, é que os santuários do Egito e da Índia nos espantam de algum modo pelo seu luxo, e nos deixam embaraçados na escolha, no meio de tantas riquezas; depois nos faz tardar na chegada da Tebaida, esta admirável síntese de todo o dogma presente, passado e futuro, esta fábula, por assim dizer, infinita, que toca, como o Deus de Orfeu, nas duas extremidades do ciclo da vida humana. Coisa estranha! As sete portas de Tebas, defendidas por sete chefes que juraram pelo sangue das vítimas, têm o mesmo sentido que os sete selos do livro sagrado explicado por sete gênios, e atacado por um monstro de sete cabeças, depois de ter sido aberto por um cordeiro vivente e imolado no livro alegórico de São João! A origem misteriosa de Édipo, que foi achado suspenso como um fruto ensanguentado numa árvore de Cytheron lembra os símbolos de Moisés e os contos do Gênese. Ele luta contra seu pai e o mata sem o conhecer: espantosa profecia da emancipação cega da razão sem a ciência; depois chega diante da esfinge! A esfinge, o símbolo dos símbolos, o enigma eterno do vulgo, o pedestal de granito da ciência dos Sábios, o monstro devorador e silencioso que exprime, pela sua forma invariável, o dogma único do grande mistério universal. Como o quaternário se muda em binário e se explica pelo ternário? Em outros termos mais enigmáticos e mais vulgares, qual é o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia, e três à tarde? Filosoficamente falando, como o dogma das forças elementares produz o dualismo de Zoroastro e se resume pela tríade de Pitágoras e Platão? Qual é a razão última das alegorias e dos números, a última palavra de todos os simbolismos? Édipo responde com uma palavra simples e terrível que mata a esfinge e vai fazer do adivinhador rei de Tebas; a palavra do enigma é o homem!... Infeliz, viu muito, porém não tão claro, e logo expiará a sua funesta e incompleta clarividência por uma cegueira voluntária, depois desaparecerá no meio de uma tempestade como todas as civilizações que adivinharam um dia, sem compreender todo o seu valor e todo o seu mistério, a palavra do enigma da esfinge. Tudo é simbólico e transcendental nesta gigantesca epopéia dos destinos humanos. Os dois irmãos inimigos exprimem a segunda parte do grande mistério completado divinamente pelo sacrifício de Antígona; depois a guerra, a última guerra, os irmãos inimigos mortos um pelo outro. Capaneu morto pelo raio que desafiava, Aphiraus devorado pela terra, são tantas alegorias que enchem de admiração, pela sua verdade e sua grandeza, os que penetram o seu tríplice sentido hierático. Ésquilo, comentado por Ballanche, dá uma bem fraca ideia delas, sejam quais forem as majestades primitivas da poesia de Ésquilo e o belo do livro de Ballanche.

O livro secreto da antiga iniciação não era ignorado por Homero, que traça o seu plano e as principais figuras no século de Aquiles, com minuciosa exatidão. Mas as graciosas ficções de Homero parecem fazer esquecer logo as simples e abstratas verdades da revelação primitiva. O homem prende-se à forma e deixa em esquecimento a ideia; os sinais, multiplicando-se, perdem o seu poder; a magia também, nesta época, se corrompe e vai descer, com os feiticeiros da Tessália, aos mais profanos encantamentos. O crime de Édipo trouxe seus frutos de morte, e a ciência do bem e do mal erige o mal em divindade sacrílega. Os homens, fatigados da luz, se refugiam na sombra da substância corpórea: o sonho do vácuo que Deus enche, logo lhes parece maior que o próprio Deus, e o inferno foi criado.

Quando, no curso desta obra, nós nos servimos das palavras consagradas Deus, Céu, Inferno, saiba-se bem, uma vez por todas, que nós nos afastamos tanto do sentido dado a essas palavras pelos profanos, como a iniciação está separada do pensamento vulgar. Deus, para nós, é o Azoth dos sábios, o princípio eficiente e final da grande obra. Explicaremos mais tarde o que estes termos têm de obscuros.

Voltemos à fábula de Édipo. O crime do rei de Tebas não é de ter compreendido a esfinge, é de ter destruído o flagelo de Tebas, sem ser assaz puro para completar a expiação em nome do seu povo; por isso, logo a peste vinga a morte da esfinge, e o rei de Tebas, forçado a abdicar, sacrifica-se aos manes terríveis do monstro, que está mais vivo e mais devorador do que nunca, agora que passou do domínio da forma ao da ideia. Édipo viu o que é o homem, e arranca os seus olhos para não ver o que é Deus. Divulgou a metade do grande arcano mágico, e para salvar seu povo, é preciso que leve consigo ao exílio e ao túmulo a outra metade do terrível segredo.

Depois da fábula colossal de Édipo, encontramos o gracioso poema de Psiquê, de que Apuleio certamente não é o inventor. O grande arcano mágico reaparece, aqui, sob a figura da união misteriosa entre um deus e uma fraca mortal abandonada, sozinha e nua, num rochedo. Psiquê deve ignorar o segredo da sua beleza ideal, e se olhar para o seu esposo, ela o perderá. Apuleio comenta e interpreta aqui as alegorias de Moisés; mas os Elohim de Israel e os deuses de Apuleio não saíram igualmente dos santuários de Mênfis e de Tebas? Psiquê é a irmã de Eva, ou antes, é Eva espiritualizada. Todas as duas querem saber, e perdem a inocência para ganhar a honra da prova. Ambas merecem descer aos infernos, uma para levar a antiga caixinha de Pandora, a outra para procurar esmagar a cabeça da antiga serpente, que é o símbolo do tempo e do mal. Ambas cometem o crime que deve ser expiado pelo Prometeu dos tempos antigos e o Lúcifer da lenda cristã, um libertado, outro submetido por Hércules e pelo Salvador.

O grande segredo mágico é, pois, a lâmpada e o punhal de Psiquê, é o pomo de Eva, é o fogo sagrado roubado por Prometeu, é o cetro ardente de Lúcifer, mas é também a cruz santa do Redentor. Sabê-lo bastante para abusar dele ou divulgá-lo, é merecer todos os suplícios; sabê-lo como se deve saber para servir-se dele e ocultá-lo, é ser senhor do absoluto.

Tudo está contido numa palavra e numa palavra de quatro letras: é o Tetragrama dos Hebreus, e o Azoth dos alquimistas, é o Thot dos Boêmios e o Tarô do Cabalistas. Esta palavra expressa de tantos modos, quer dizer Deus para os profanos, significa o homem para os filósofos, e dá aos adeptos a última palavra das ciências humanas e a chave do poder divino; mas só sabe servir-se dela aquele que compreende a necessidade de a não revelar nunca. Se Édipo, em lugar de fazer morrer a esfinge, a tivesse dominado e atrelado ao seu carro para entrar em Tebas, teria sido o rei sem incesto, sem calamidade e sem exílio. Se Psique, à força de submissão e carícias, tivesse induzido o Amor a revelar a si próprio, ela nunca o teria perdido. O Amor é uma das imagens mitológicas do grande segredo e do grande agente, porque exprime, ao mesmo tempo, uma ação e uma paixão, um vácuo e uma plenitude, uma flecha e uma e uma ferida. Os iniciados devem compreender-me, e, por causa dos profanos, não devo dizer muito.

Depois do maravilhoso asno de ouro de Apuleio, não achamos epopéias mágicas. A ciência, vencida em Alexandria pelo fanatismo dos assassinos de Hipatia, se faz cristã, ou antes, se oculta sob véus cristãos com Amônios, Sinésio e o pseudo-autor dos livros de Diniz, o Areopagita. Era preciso, naquele tempo, fazer perdoar os seus milagres pelas aparências da superstição, e a sua ciência por uma linguagem ininteligível. Ressuscitaram a escrita hieroglífica e inventaram os pentáculos e caracteres que resumem uma doutrina inteira num sinal, uma série inteira de tendências e revelações numa palavra. Qual era o fim dos aspirantes à ciência? Procuravam o segredo da grande obra, a pedra filosofal, o movimento perpétuo, a quadratura do círculo, ou a medicina universal, fórmulas que, muitas vezes, os salvava da perseguição e do ódio, fazendo-os tachar de loucura, e todas as quais exprimiam uma das faces do grande segredo mágico, como demonstraremos mais tarde. Esta falta de epopéias dura até o nosso romance da Rosa; mas o símbolo da rosa, que exprime também o sentido misterioso e mágico do poema de Dante, é tirado da alta Cabala, e é tempo de entrarmos nesta fonte imensa e oculta da filosofia universal.

A Bíblia, com todas as alegorias que contém, só exprime de um modo incompleto e obscuro a ciência religiosa dos Hebreus. O livro de que falamos e cujos caracteres hieráticos explicaremos, este livro que Guilherme Postello chama o Gênese de Henoque, existia certamente antes de Moisés e dos profetas, cujo dogma, fundamentalmente idêntico aos dos antigos Egípcios, tinha também seu esoterismo e seus véus. Quando Moisés falava ao povo, diz alegoricamente o livro sagrado, punha um véu na sua cabeça, e tirava este véu para falar a Deus: tal é a causa das pretensas absurdidades da Bíblia, que tanto exercitaram a verve satírica de Voltaire. Os livros eram escritos para lembrar a tradição, e escreviam-nos em símbolos ininteligíveis para os profanos. Aliás, o Pentateuco e as poesias dos profetas eram somente livros elementares, quer de dogma, quer de moral, quer de liturgia: a verdadeira filosofia secreta e tradicional só foi escrita mais tarde, debaixo de véus ainda menos transparentes. E é assim que nasceu uma segunda Bíblia desconhecida, ou antes não entendida pelos cristãos; uma compilação, dizem eles, de numerosas absurdidades (e aqui os crentes, confundidos numa idêntica ignorância, falam como os incrédulos): um monumento, dizemos nós, que reúne tudo o que o gênio filosófico e o gênio religioso jamais fizeram ou imaginaram de sublime; tesouro rodeado de espinhos, diamante escondido numa pedra bruta e obscura; os nossos leitores já terão adivinhado que queremos falar do Talmude.

Estranho destino o dos judeus! Os bodes emissários, os mártires e os salvadores do mundo! Família vivaz, raça corajosa e dura, que as perseguições sempre conservaram intacta, por que ainda não realizou sua missão! As nossas tradições apostólicas não dizem que, depois do declínio da fé entre os gentios, a salvação virá da casa de Jacó, e que então o Judeu crucificado, que os cristãos adoraram, porá o império do mundo entre as mãos de Deus seu Pai?

Ficamos cheios de admiração, ao penetrar no santuário da Cabala, à vista de um dogma tão lógico, tão simples e, ao mesmo tempo, tão absoluto. A união necessária das ideias e dos sinais; a consagração das realidades mais fundamentais por caracteres primitivos; a trindade das palavras, das letras e dos números; uma filosofia simples como o alfabeto, profunda e infinita como o Verbo; teoremas mais completos e mais luminosos que os de Pitágoras; uma teologia que se resume contando pelos dedos; um infinito que se pode fazer conter na cova da mão de uma criança; dez algarismos e vinte e duas letras, um triângulo, um quadrado e um círculo: eis todos os elementos da Cabala. São os princípios elementares do Verbo escrito, reflexo deste Verbo falado que criou o mundo!

Todas as religiões verdadeiramente dogmáticas saíram da Cabala e voltam a ela; tudo o que há de científico e grandioso nos sonhos religiosos de todos os iluminados, Jacó Boeme, Swedenborg, Sant-Martin, etc., é tirado da Cabala; todas as associações maçônicas lhe devem os seus segredos e seus símbolos. Só a Cabala consagra a aliança da razão universal e do Verbo divino; ela estabelece, pelo contrapeso das duas forças em aparência opostas, a balança eterna do ente; só ela concilia a razão com a fé, o poder com a liberdade, a ciência com o mistério: ela tem a chave do presente, do passado e do futuro!

Para iniciar-se na Cabala, não basta ler e meditar os escritos de Reuchlin, Galatino, Kircher e Pico de Mirandola; é preciso ainda estudar e entender os escritores hebreus da coleção de Pistório, principalmente o Sepher Jesirah (Yetzirah), depois a filosofia de amor, de Leão Hebreu. É preciso também estudar o grande livro de Zohar, ler atentamente, na coleção de 1684, intitulada Kabbala Denudata, o trabalho da pneumática cabalística e da revolução das almas; depois entrar ousada e corajosamente nas luminosas trevas do corpo dogmático e alegórico do Talmude. Então se poderá entender Guilherme Postello, e confessar em voz baixa que, pondo de parte os seus sonhos bem prematuros e muito generosos da emancipação da mulher(*), este célebre e sábio iluminado podia não ser tão louco como o pretendem os que o não leram.

Acabamos de esboçar rapidamente a história da filosofia oculta, indicamos as suas fontes e analisamos, em poucas palavras, os seus principais livros. Este trabalho só se refere à ciência; mas a magia, ou antes o poder mágico, se compõe de duas coisas: uma ciência e uma força. Sem a força, a ciência nada é, ou antes, é um perigo. Dar à ciência só a força, tal é a lei suprema das iniciações. Por isso, o grande revelador disse: O reino de Deus sofre violência e são os violentos que o arrebatam. A porta da verdade está fechada como o santuário de uma virgem; é preciso ser um homem para entrar. Todos os milagres são prometidos à fé; mas que é a fé, senão ousadia de uma vontade que não hesita nas trevas e caminha para a luz através de todas as provações e vencendo todos os obstáculos?

Não repetiremos aqui a história das antigas iniciações; quanto mais eram perigosas e terríveis, tanto mais tinham eficácia; por isso, o mundo tinha, então, homens para governá-lo e instruí-lo. A arte sacerdotal e a arte real consistiam principalmente nas provas de coragem, da discrição e da vontade. Era um noviciado semelhante ao destes padres tão impopulares nos nossos dias, sob o nome de Jesuítas, que ainda governariam o mundo se tivessem uma cabeça verdadeiramente inteligente e sábia.

Depois de ter passado a nossa vida na investigação do absoluto em religião, ciência e justiça; depois de ter girado no círculo de Fausto, chegamos ao primeiro dogma e ao primeiro livro da humanidade. Aí paramos, aí achamos o segredo da onipotência humana e do progresso indefinido, a chave de todos os simbolismos, o primeiro e o último de todos os dogmas. E entendemos o que querem dizer estas palavras muitas vezes repetidas no Evangelho: o reino de Deus.

Dar um ponto fixo para apoio à atividade humana é resolver o problema de Arquimedes, realizando o emprego da sua famosa alavanca. É o que fizeram os grandes iniciadores que deram abalos no mundo, e só puderam fazê-lo por meio do grande e incomunicável segredo. Aliás, para garantia da sua nova juventude, a fênix simbólica só reapareceria aos olhos do mundo depois de ter consumido solenemente os restos e as provas da sua vida anterior. É assim que Moisés faz morrer no deserto todos os que teriam conhecido o Egito e seus mistérios; é assim que São Paulo, em Éfeso, queima todos os livros que tratavam de ciências ocultas; é assim, enfim, que a revolução francesa, filha do grande Oriente de Johannita e da cinza dos Templários, espolia as igrejas e blasfema contra as alegorias do culto divino. Mas todos os dogmas e todos os renascimentos proscrevem a magia e votam seus mistérios ao fogo ou ao esquecimento. É que todo culto ou toda filosofia que vem ao mundo é um Benjamim da humanidade que só pode viver dando a morte à sua mãe; é que a serpente simbólica gira sempre devorando a sua cauda; é que é preciso, para sua razão de ser, a toda plenitude um vácuo, a toda grandeza um espaço, a toda afirmação uma negação; é a realização eterna da alegoria da fênix.

Dois sábios ilustres já me precederam no caminho que sigo, mas, por assim dizer, passaram nele à noite e sem luz. Quero falar de Volney e Dupuis, principalmente de Dupuis, cuja imensa erudição só pôde produzir uma obra negativa. Ele viu na origem de todos os cultos a astronomia, tomando assim o Ciclo simbólico pelo dogma, e o calendário pelas lendas. Um único conhecimento lhe faltava, o da verdadeira magia, que contém os segredos da Cabala. Dupuis passou nos antigos santuários como o profeta Ezequiel na planície coberta de ossos, e só compreendeu a morte, por não saber a palavra que reúne a virtude dos quatro ventos do céu, e que pode fazer um povo vivo deste imenso ossuário,
exclamando aos antigos símbolos: Levantai-vos, revesti uma nova forma e caminhai.

O que ninguém, pois, pôde ou ousou fazer antes de nós, chegou o tempo em que teremos a ousadia de ensaiar. Queremos, como Juliano, reconstituir o templo, e nisso não cremos dar um desmentido a uma sabedoria que adoramos, e que o próprio Juliano teria sido digo de adorar, se os doutores odiosos e fanáticos do seu tempo lhe tivessem permitem compreendê-la. O templo, para nós, tem duas colunas, numa das quais o cristianismo escreveu o seu nome. Não queremos, pois, atacar o cristianismo; longe disso, queremos explicá-lo e realiza-lo. A inteligência e a vontade, exerceram alternativamente o poder no mundo; a religião e a filosofia lutam ainda nos nossos dias e devem acabar por concordar- se. O cristianismo teve, por fim provisório, estabelecer, pela obediência e a fé, uma igualdade sobrenatural ou religiosa entre os homens, e imobilizar a inteligência pela fé, a fim de dar um ponto de apoio à virtude que vinha destruir a aristocracia da ciência, ou antes substituir esta aristocracia, já destruída. A filosofia, pelo contrário, trabalhou para fazer os homens voltarem pela liberdade e a razão à desigualdade natural, e para substituir, fundando o reino da indústria, a habilidade à virtude. Nenhuma dessas duas ações foi completa e suficiente, nenhuma conduziu os homens à perfeição e à felicidade. O que sonha agora, sem quase ousar esperá-lo, é uma aliança entre estas duas forças por muito tempo consideradas como contrárias, e temos razão de desejar esta aliança: porque as duas grandes potências da alma humana não são mais opostas uma à outra do que o sexo do homem é oposto ao da mulher; sem dúvida, elas são diferentes, mas as suas disposições, em aparência contrárias, só vêm da sua aptidão a encontrarem-se e a unirem-se.

- Não se trata nada menos do que de uma solução universal de todos os problemas?

Sem dúvida, pois que se trata de explicar a pedra filosofal, o movimento perpétuo, o segredo da grande obra e a medicina universal. Tachar-nos-ão de louco como ao divino Paracelso, ou de charlatão como ao grande e infeliz Agripa. Se a fogueira de Urbano Grandier está extinta, restam as surdas proscrições do silêncio ou da calúnia. Nós não as desafiamos, mas nos resignamos a elas. Não procuramos por nós mesmos a publicação desta obra e cremos que, se chegou o tempo de produzir-se a palavra, ela se produzirá por si mesma, por nós ou por outros. Ficaremos, pois, calmos e esperaremos.

A nossa obra tem duas partes: numa, estabelecemos o dogma cabalístico e mágico na sua totalidade; a outra é consagrada ao culto, isto é, à magia cerimonial. Uma é o que os antigos sábios chamavam a clavícula; a outra, o que as pessoas do campo chamam ainda hoje o engrimanço. O número e o assunto dos capítulos, que se correspondem nas duas partes, nada têm de arbitrário, e se achavam indicados na grande clavícula universal de que damos, pela primeira vez, uma explicação completa e satisfatória.

Agora, que esta obra vá aonde quiser e venha a ser o que a Providência quiser. Ela está feita, e cremo-la durável, porque é forte como tudo o que é razoável e consciencioso.

ELIPHAS LEVI




(*) Veremos este sonho realizar-se dentro de alguns anos, pois o movimento de emancipação feminina se acentua cada vez mais. Falamos aqui da justa emancipação moral e intelectual da mulher, não dos desejos desordenados de certas seitas femininas. A mulher emancipada de acordo com os verdadeiros princípios da natureza será a inspiradora e colaboradora indispensável do homem - (N. do T.)

Extraído do Dogma e Ritual da Alta Magia, Eliphas Levi, Ed. Pensamento, São Paulo, Tradução de Rosabis Camaysar.
Páginas 49 - 68.

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