VISHNU - CAPÍTULO 2

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No jardim, ao sol das manhãs, na penumbra arbórea, criou-se Vishnu, belo príncipe-herdeiro, junto com Akasha, sua única irmã. Fora o poderoso pai, imperador de Kanith, sempre ausente, figura tal que torná-lo-ia desleixado nobre - na inconsciente e vã tentativa de demonstrar a Delub seu fracasso como patriarca.
À sombra dos árvores cresceu, cercado por mudos serviços - nos quais os olhos gritavam -, ouvindo o canto da imperatriz, vendo como aconchego o colo de Ashtar e a amizade da irmã.


As esguias pernas vagueavam entre as vivas paredes do antigo conhecido, o labirinto verde, que adornava o jardim das lembranças. O chão macio, o cheiro de terra molhada, o vento acariciando-lhe a tez, o gorjeto das aves... Todo o ar nostálgico dessa atmosfera o transportava ao passado, quando inda moço, época tal em qual faziam-se frequentes sua correria, acompanhado da irmã, por entre os tortuosos caminhos das bem zeladas roseiras.
Doces eram as recordações: o riso fácil de Akasha, seu longo cabelo negro solto esvoaçante, o odor fresco que este exalava... Ela corria, segurando o vestido com a barra a rés-do-chão, evitando que os sapatos castigassem a delicada seda rubra. Corriam, escondiam-se e fugiam de uma enfadonha vida. Ali podiam ser apenas crianças - sem amargurantes obrigações.
Saudoso lembrou de quando, pisando em falso, Akasha tropeçara, perdendo o equilíbrio e indo de encontro à grama úmida. O jovem que permanecia a poucos centímetros atrás, também veio ao solo, caindo sobre a irmã. Os olhos se encontraram - como esmeraldas, os olhos dela, brilhavam jubilosos em um mar leitoso e branco delimitado pela delineada margem de espessos cilios -, de tal proximidade os traços exaltavam-se. Os carnudos lábios deixavam escapar a intercortada e acelerada respiração. O segundo mais eterno se fez quando as bocas mudar tocaram-se, perdendo a nata inocência. Sacrilezavam o reino de seus antepassados, no entanto a mente não respondia, a culpa inexistia, somente o coração falava, palpitando forte, - o sangue do jovem impulsionado errara de veia e corria agora sofregamente no saliente peito da irmã. O corpo gritava comandando o ritmo e as línguas enroscavam-se no exato instante em que Itah e Etah tocaram a prateada túnica do jovem, os bordados de fios de ouro cintilaram e coberto de luz o profano figurou como divino.

O estralido do seco graveto partindo-se delatou a inesperada companhia. Vishnu virou-se a tempo de contemplar a pequena serva fugindo, espantada com a insólita cena incestuosa. O jovem deixou-se cair ao lado da irmã. Nada disseram o silêncio selou o pacto eterno de esquecer tal beijo. De que adiantariam as palavras? Elas seriam engolidas como del.
Mas ele mantê-lo-ia trancafiado na alma e nos lábios, para sempre, traria o gosto da boca fraterna.
"Akasha" - pensava - "Mal agourento parece-me o futuro, cruel foram os deuses que nos fizeram irmãos. Maldito e tal incestuoso amor."



Sobre a Autora:
LIZZA BATHORY

Lizza Bathory


Lady Godiva dos profanos, andarilha notívaga dos inquietos, perpetuadora da confusão na líbido dos incautos meninos.
elizabeth.bathory.ce@gmail.com
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