Mais que uma alternativa para artistas já estabelecidos, a via independente é, muitas vezes, a única opção de uma infinidade de bandas. Os veteranos do Velhas Virgens e os cearenses d´O Jardim das Horas falam dos desafios dos prazeres de criar à margem da velha e grande indústria fonográfica

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Se para Pacífico Mascarenhas, que experimentou a gravação independente em 1958, tudo não passa de um hobbie, descrente nas chances de artistas do meio independente sobreviverem no mercado, há, no entanto, quem pense diferente e aposte nesta como uma saída lucrativa.
O guitarrista do grupo Velhas Virgens, Alexandre Cavalo, não se encabula em anunciá-la como a maior banda independente do Brasil. Com 25 anos de carreira, eles passaram por todas as grandes mudanças no mercado fonográfico nos últimos anos, como o enfraquecimento das grandes gravadoras e a popularização da internet e da música digital.

O Velhas Virgens lançou seu primeiro disco independente em 1998, vendido em bancas de revistas. Acompanhando as mudanças, eles seguem reinventando constantemente as estratégias de sobrevivência do grupo. "Eu acho que tem muito da persistência. Nesse tempo de banda, já vi de tudo, nego subir, descer, passarem as modas. Quem tem um bom trabalho, continua. Precisa ter consistência. Precisa ter alguma coisa diferente, para não se perder no meio de todo mundo", ensina o músico.
Com o primeiro disco independente, o grupo vendeu 11 mil cópias. "Mas você viu que não fizemos isso com o segundo?
Porque dá prejuízo. É legal, dá muita mídia, mas não se paga, porque você vendia a revista e o CD era brinde"
, diz, descartando a experiência da venda em banca de revistas.

Apesar disso, não houve desespero. Mantendo-se independentes, o grupo lançou dois discos em 2001, "Reveillon" e "Abre Essas Pernas Ao Vivo", e de lá para cá, outros cinco. "Ficamos independentes, achamos que era isso e fomos embora. Certo ou errado, foi do jeito que a gente queria", garante.


Cavalo avalia que as bandas independentes têm que estar atentas às mudanças do público, tentando identificar onde querem e podem atuar. Ele lembra que, nos anos 1980, o público dividia-se nas chamadas tribos, onde cada uma ouvia determinado tipo de música. "Hoje as bandas se apoiam no nicho de mercado e vão atacar. Porque o cara ouve de tudo. O mesmo que ouve heavy metal pode ouvir sertanejo.
As pessoas estão mais ecléticas"
, aponta.

Ele cita os sites de financiamento coletivo, bastante em voga hoje, como uma alternativa para financiar os novos trabalhos. "Isso é demais. Você arrebanha teu fã, faz ele participar, e não é doação porque ele recebe algo em troca", explica, sobre as possibilidades que se abrem com a ferramenta. O grupo levantou este ano R$ 33 mil financiado pelo público para gravação do DVD comemorativo dos 25 anos de banda. "Isso é uma aposta boa para você fugir desse negócio de pegar dinheiro com o governo ou com empresas", diz o músico.

Outra estratégia, é a venda de produtos com a marca da banda, além dos discos. "Você tem que ter CD, DVD, camisetas, bottons. A gente tem até linha de lingerie. Vai fazendo um monte de coisas para você ter grana para gravar de novo. Só assim mesmo para a gente sobreviver", defende. Cavalo promete até uma linha de cerveja artesanal com a marca do grupo.

"Cerveja não dá para piratear. Em vez fazer CD, vamos fazer outras coisas", brinca.


Compartilhando do mesmo ideal, mas com desafios diferentes, estão os grupos que tomam a música independente como ponto de partida para a carreira.
Desconhecidos do grande público e muitas vezes sem o conhecimento dos caminhos para chega até ele, ou mesmo, sem a estrutura necessária para isso, eles aglutinam-se em coletivos como saída para superar as limitações.
A banda cearense O Jardim das Horas, radicada em São Paulo desde 2007, vem colhendo bons frutos da experiência compartilhada entre grupos cearenses que também se aventuram na capital paulista e em coletivos de música independente, como o Fora do Eixo.
"Eu vejo isso como uma coisa muito importante. As pessoas se fortalecem em São Paulo. Tem bandas que vieram antes e outras depois. Quem está há mais tempo auxilia quem chegou agora. Assim conseguimos crescer mais", resume Raphael Haluli, baixista do grupo.

Não se trata de um movimento estético, como foi a Tropicália, a Bossa Nova, etc, e sim de uma força tarefa, pautadas por conceitos da economia solidária, em prol da música independente. "O Saulo Duarte, O Sonso e Jardim das Horas, estamos nos unindo aos coletivo para ampliar nossa divulgação. Eles têm entrada no interior e em estados vizinhos. Uma banda quando toca em um lugar divulga outras bandas, leva CD. Através disso estamos conseguindo novos espaços", explica.

Apesar dos editais de financiamento para novos projetos, Haluli deixa claro, no entanto, que o sustento de um grupo independente, seja ele do mainstream ou não, depende hoje dos shows que ele realiza e, por consequência, do público que mobiliza a estas apresentações.
"Venda de CD não dá muito dinheiro.
Nós temos que oferecer nossa música na internet para nos divulgarmos, então o que te sustenta mesmo são os shows que você faz"
, conclui.

FONTE: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1069632

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