CABELOS, CABELEIRA, CABELUDA

Print Friendly and PDF



Júlio chegara aos cinquenta anos. Barba e bigode sempre aparados. Corpo todo cabeludo. Seu apelido era Tony Ramos, em alusão ao ator famoso da Globo. Sempre solteiro e nunca só, embora solitário. 
As mulheres que arranjava era pra contrato temporário. Trabalhara mais de trinta como funcionário da empresa fornecedora de energia elétrica.
Pensara em se aposentar e curtir a vida. Ainda tinha presença, fartos cabelos, físico aperfeiçoado por anos de musculação. 
Para um velho, estava razoavelmente posto. Não tinha problemas de saúde. Era comunicativo. Esperava viver ainda uns quarenta anos. Um otimista.
Ocorre que no segundo dia de aposentadoria, quando acordou e olhou ao espelho viu uma grande cabeça de ovo no lugar da sua. Seus cabelos deram no pé, assim como suas sobrancelhas.
Como ficara assim? Correu à cama e viu um monte de cabelos puxando uma soneca.
Como resolver essa situação? Resolveu consultar a sua tia Gertrudes, que tinha fama de bruxa, conhecedora de ervas e feitiços ancestrais. Lembrou que ela tinha cabelos que chegavam até seus calcanhares. Achava seus cabelos tão fedidos que nunca conseguira manter uma palestra longa com a mesma.
Sua tia, quando ele chegara, acabara de falecer, enforcada nos próprios cabelos.
Ele pensou em pegar os cabelos dela, na verdade. Planejara a morte da tia com um bandido, dono de uma boca e de um inferninho. Mas algo saíra do controle. Não conseguiu ficar a sós com a tia falecida.
Só se quando ela fosse engavetada, ele a desengavetasse. Mas daria muito trabalho.
Da casa da tia foi para um bar beber. Ali encontrou o Gervásio, dono de um lava-rápido e contrabandista.
Falou do seu problema com uma tal cara de dó que ao Gervásio só restou gargalhar.
Gervásio teve uma idéia. Sem planejar muito, pediu uma bebida pro barman e colocou nela, cinderelamente, um pozinho de derrubar elefante. Após, deu pro Júlio que, sequioso, bebeu de um gole só. 
Segundos depois, já estava no chão.
Quando acordou, no sofá de Gervásio, que morava nos fundos do bar, tinha ao seu lado a tia Gertrudes careca e os cabelos dela colados com cola poderosa na cabeça dele.
O fedor da tia empesteava todo o quarto. Júlio quase não conseguia respirar. Fazia uma força tremenda. Gervásio não estava por perto pra lhe explicar direito aquela situação.
Até que a mão direita de Dona Gertrudes ganhou vida e caiu sobre sua boca e nariz. Com a outra mão, puxava-lhe o cabelo que ia descolando com couro cabeludo e tudo.
Quando Gervásio chegou viu que o cabelo que tinha tirado de Dona Gertrudes voltara pra ela.
Nem quis dar tratos à bola para imaginar o que acontecera. Chamou o coveiro para tirar os dois corpos dali e foi tomar uma.

0 Comentários: