PERDIÇÃO DE AMOR

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Josildo era um homem que sofria constantes gozações.
No serviço. Na escola. No caminho da escola até sua casa. Enfim, em quase todo luga onde aparecia.
Ele não tinha paz. Também quem mandou? Colocara em sua cabeça aos trinta anos que as melhores mulheres eram as de alma calada. Foi quando resolveu comprar sete delas. As bonecas infláveis passaram a ser, na sua concepção, o modelo do sexo feminino. Não ficavam chatas na pré-menstruação. Respeitavam seu desejo de silêncio. Não tinha que disputar com elas o controle da TV, entre outras vantagens.
Porém, os vizinhos não deixavam-no em paz. Escreviam coisas horríveis em sua porta. Era só ouvirem seus uivos na hora do amor com as caladas que começavam a gargalhar do absurdo da situação.
Resolvera mudar-se. Pegou suas sete bonecas, algumas roupas, os poucos móveis e se mandou para um lugar bem isolado.
Esperou dois dias depois da mudança e solicitou sua aposentadoria.
Foi quando viveu os momentos mais felizes com suas mulheres.
Mas como toda relação onde há mais fala sexual que de almas, um dia ele resolveu romper as amarras e pedir divórcio, ou seja, impor.
O que lhe ajudou a reforçar tal atitude foi o sentimento de amor que começou a nutrir por Matilde, que era tetraplégica.
Mudou de idéia quanto à mulher ideal. Agora, sim, encontrara a mulher perfeita.
Quando foi pegar as sete bonecas, elas tinham sumido. Deduziu que alguém as tinha roubado.
Chamou Matilde para morar com ele. Ela aceitou. Cuidava dela com extremo carinho. Ela nunca recebera tanto amor. Mesmo de seus pais que eram excessivos em seus cuidados.
Porém, numa noite de grande geada, em que no mundo sombrio se costumava comemorar a noite de Despina, deusa das sombras, algo estranho aconteceu. Acordou de súbito, mas só suas retinas brilhavam. Os olhos não mexiam. Sua pele....emborrachada. E Matilde? Continuou de carne e osso, mas teve de presenciar tudo. Lia-se em seus olhos extremo pavor. 
Então, apareceram uma a uma as mulheres desprezadas de Josildo. No entanto, eram agora de carne e osso. Teriam agora uma nova vida. Um presente de Despina, que também foi rejeitada, quando sua mãe Deméter só pensava em achar Perséfone, que fora raptada por Hades. Se Despina não fosse adotada pelo titã Anitos, morreria no abandono.
Uma das ex-infláveis, calmamente, foi até o fogão e abriu o gás. Outra tampou todas frestas, fechou portas e janelas.
Após olharem-no uma última vez, saíram, mas antes cada uma delas deu um beijo nele por gratidão a todo o tempo em que lhes dedicou amor sincero.
Um pouco antes da casa ser inteiramente consumida, só brilhava, rodeado de sombras, no meio do que antes foi a sala, o crânio de Matilda, como uma abóbora americana de dia das bruxas.

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