Terra dos Deuses (Prólogo)

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Antes de tudo, existia o vácuo. O Absoluto Vazio, fecundo e infinito. Um movimento é descrito, descendente, rompendo o véu. A matéria escura se organiza, vazando pelo gargalo recém-formado, atravessando o grande Abismo; tomando forma, distribuindo energia...
Um sopro toca meus lábios, seguido de um dedo que me silencia em confidência. Abro meus olhos e vejo-a sorrindo para mim. Sussurra algumas palavras que não compreendo, seus cabelos lambem meu rosto.
Eu estava sonhando, conto a ela. E sobre o que era o sonho? Não tenho certeza, mas parecia ser importante. Ela senta ao meu lado e olha acima. Caso for mesmo importante, você se recordará, ela afirma.
O deserto em que nos encontramos, formado inteiramente de lágrimas cristalizadas, chama-se Deserto da Solidão. Dunas e dunas de pura lamúria infundada e autoflagelação egoísta.
De todos os lugares, por que você vem justo aqui? Acho que tem algo sobre esse lugar que me atrai, foi tudo o que consegui lhe responder. Você deveria estar se preparando, não? Ela perguntou, enquanto se levantava. Tão grandioso é seu movimento que ela ameaça tampar o luminoso do topo daquele firmamento improvisado.
Você se mantém aqui, inerte, inútil, nunca faz qualquer coisa de útil... Eu posso sentir o desprezo dela arraigando no solo, constituindo nascentes que afloram, formando rios e afluentes à luz da aurora. Isso não é verdade! Eu respondo, irritado. Eu fico aqui e cuido desse lugar. E ainda mais agora, que você fez questão de infestá-lo com menosprezo e pena, logo surgirá vida e eu terei de governar essa terra esquecida. Não tarda, da terra árida, brotam arbustos de ressentimento e rastejam larvas de culpas mal resolvidas.
Você pensa mesmo que é um Deus? Com essa atitude, vai acabar é cuidando do mundo mais patético da existência! Olhe o que você criou aqui! Ela aponta para as florestas de soluços e autopiedade que nos circunda. Correção: o mundo que nós criamos. Foi você que semeou a vida aqui. Portanto, você terá de cuidar disso tudo junto a mim. Digo tudo isso enquanto levanto, postando-me a altura dela.
Nem nos seus sonhos! Ela grita e seus cabelos agitam. Ressentido, eu tento mudar o assunto. Por sinal, eu consigo me lembrar do sonho, agora. Oh, é mesmo? E então? Sobre o que estava sonhando quanto te acordei?
Eu olho à minha volta, dramático, então volto a encará-la. Eu estava sonhando com a criação. Ela ergue uma sobrancelha. Criação de quê? Ora, criação de tudo, a gênese, o princípio de toda a existência. Ela torce a face em contragosto. Ah, claro, mas só poderia ser um lunático de cabeça oca mesmo. Essa coisa de origem de tudo não existe e você sabe muito bem disso, ou, ao menos, deveria!
Um mutirão de gritos de desespero passa por trás de seu calcanhar. Ela olha para mim, contrariada. Será que já podemos sair daqui? Falando sério, eu não suporto mais esse lugar!
Os Antigos vão ficar irritados quando virem tudo o que deixamos aqui, eu argumentei. Já vi que terei de provocar um apocalipse, não é mesmo? Disse ela, divertida. Se não for pedir muito, eu ainda não levo jeito pra essa coisa de fim do mundo. Ela ergue os braços e começa o espetáculo:
_Eu, Lizza Bathory, destruidora de mundos, vim trazer o fim para essa terra de tristeza e lamúria!
O firmamento se escurece. Meteoros de ódio e repugnância tratam de queimar toda vida desgraçada daquele espaço-tempo, até sua última lágrima. Sua crosta está completamente avermelhada e carbonizada.

Eu ainda me arrepio toda vez que você faz isso. Sim, moleque feito você, ainda tem muito a aprender com os Antigos. Vamos, vamos? Ela me agarra pela mão e eu vejo aquela terra desgraçada se esmaecendo na velocidade de um raio.

Pequena narrativa introdutória para um possível futuro projeto.

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