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A maioria das pessoas que conheço, vivem exemplarmente assim: trabalhando, viajando, comendo, bebendo e conversando. O âmbito da atividade diária na civilização moderna levanta um muro ao redor do estado ordinário da consciência e torna quase impossível mirar mais além. Tal circunstância é provocada pelas condições nas quais vivemos. É o que ocorre em uma civilização que sempre faz ruído como um dínamo, e que não proporciona ócio para a paz nem para a contemplação. Os homens começam a perder a intuição sobre modos desconhecidos de ser, essa capacidade de construir o que os levaria a ser algo mais do que cerdos altamente eficientes. A perda dessa capacidade produz um horror contra o qual o Outsider se rebela.
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Uma tarde estava pegando envelopes com uma esponjinha úmida, quando um jovem que parecia cômodo atuando como mensageiro comentou: "Destruye el alma, ¿no es así?" Uma frase clichê, porém nunca a havia ouvido antes, e a repeti como uma revelação. Não a destruição da alma, e sim a destruição da vida; a força vital entravada produz um odor como a água estancada, e o ser inteiro se perverte.
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O tédio significa não ter suficientemente o que fazer com as próprias energias vitais. A resposta a isto, simplesmente, reside em estender o raio da consciência, pôr em circulação as emoções e trabalhar a inteligência, até que novas áreas de consciência sejam incorporadas à vida, assim como o sangue que começa a circular novamente por uma perna que estava dormente. Isso é apenas o ponto de partida. Dispor de ócio não é suficiente, o ócio é somente um conceito negativo: o limpo e amplo terreno onde se pode edificar casas decentes depois de liquidar os cortiços. O problema seguinte é iniciar a construção.
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Quanto mais se combate, maior caudal de vida é possível. Por isto, para mim, o problema da vivência é resolvido elegendo obstáculos que estimulem minha vontade. Instantaneamente, reconheci que nossa civilização vai em sentido oposto: toda nossa cultura e nossa ciência estão direcionadas a capacitar-nos para realizar a menor vontade possível. Tudo se torna fácil e, depois de uma semana de rotina laboriosa e de viajar em ônibus, ainda sentimos a necessidade de aplicar um excesso de energia, sempre podemos entreter-nos com jogos associados a obstáculos artificiais, onde a vontade se aplica para derrotar uma equipe de jogadores de cricket, futebol, ou simplemente lutar contra a imaginária Esfinge inserta nas palavras cruzadas no jornal.
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Quando disse que Platão, Goethe e Shaw foram existencialistas, implicava que os três eram pensadores para os quais pensamento e vida são inseparáveis. Outrem para o qual pensamento e vida resultam inseparáveis é o artista; sua arte é o resultado do impacto da vida em sua sensibilidade.
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Resumindo, o existencialista é o artista filósofo, e seu meio natural é a Bildungsroman. – novela educativa —; a novela ou a obra que se refere à maturação de sua personagem central através do impacto de sua experiência. Exemplos disto: Wilhelm Meister de Goethe, Os irmãos Karamazov de Dostoievski, O calvário de Richard Feverel de Meredith, A montanha mágica de Mann, Demian de Hesse, Os caminhos da liberdade de Sartre, Adeus às armas de Hemingway, O retrato do artista quando jovem de Joyce, Imaturidade de Shaw. É citado aqui juntas as maiores e as menores para enfatizar a amplitude deste ramo. Deixem-me terminar dogmatizando: no século XX, a única forma séria de arte literária é a Bildungsroman.
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Imaginação é o poder de captar, sem isto o homem seria um imbecil, sem memória, sem premeditações, sem capacidade de interpretar o que vê e sente. Quanto maior é o poder de captar, mais elevada é a forma de vida; e no homem, o captar se transforma em uma faculdade consciente, que pode ser denominada imaginação. Se a vida é avançar até estratos mais elevados, ir além do macaco, além do homem-trabalhador e do homem-artista, isto se produz mediante um maior desenvolvimento do poder de captação. A ambição espiritual é a busca por uma maior intensidade de imaginação.
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Nesse ponto comecei The Outsider. Minha tese era que a religião começa com o estímulo do heroísmo substituindo a imaginação. Os Outsiders dos primeiros capítulos eram homens famintos por heroísmo, encalhados em uma era não-heróica. Sua anormalidade como Outsiders residia em suas tentativas de fabricar seu próprio heroísmo. A queixa de Roquentin — A náusea de Sastre — era: Não há aventura, e isto é verdadeiro na civilização moderna.
Tratei de demonstrar que a ânsia por uma maior intensidade de imaginação — de vida — toma a forma de uma busca por heroísmo. Esta fome do heroísmo é completamente visível nas vidas de Van Gogh, T. E. Lawrence e Rimbaud, Gauguin. Guido Ruggiero chamava Gauguin e Rimbaud de Santos existencialistas, e declarou — com completa precisão — que o existencialismo toma a vida como uma novela de aventuras.
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Nietzsche sabia que o ideal de uma paz universal é um falso ideal; o homem sempre tentará criar oportunidades para o heroísmo. As guerras do século XX são a expressão de uma frustração inconsciente. Kierkegaard tinha razão quando disse que o tédio é o verdadeiro mal do mundo. Uma religião é o receptáculo do heróico, o símbolo da necessidade do homem de lutar pela captação. As guerras mundiais e o fracasso da religião são companheiros inevitáveis.
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O Outsider deve ser considerado como um fenômeno da civilização moderna. Chegada a esta conclusão: é o sintoma de uma civilização em decadência. Porém, ao menos, é um sinal de saúde.
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Em qualquer época, a religião mais pura está nas mãos de seus rebeldes espirituais. O século XX não é uma exceção.
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Cada vez que uma civilização chega a um ponto crítico, é capaz de criar um homem melhor. A resposta exitosa à crise depende da criação de um novo ser. Não necessariamente o Além-Homem/Super Homem (Übermensch) nietzscheano, e sim um tipo de homem com uma consciência mais ampla e um direcionamento de seus propósitos mais profundo que nunca. A civilização não pode continuar na presente querela, este desfile de míopes que produzem melhores e melhores refrigeradores, telas de cinema mais e mais largas, minando constantemente toda a vida espiritual. O Outsider é uma tentativa de contrabalancear esta morte dos propósitos. O desafío é imediato e exige resposta de todos os que sejam capazes de entendê-lo.
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Se nossa época está à beira de sua última decadência, como a civilização grega nos tempos de Plantão, o Outsider somente pode a observar com curiosidade científica, e continuar — como Plantão — meditando sobre problemas não tão imediatos. Este desagregar-se é a condição básica para a sobrevivência, um sinal de otimismo fundamental:
Todas as coisas caem e são construídas de novo. E aqueles que as constroem novamente são felizes.
Assim dizia Yeats.
Os Outsiders aparecem como erupções em uma civilização moribunda.
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Colin Wilson
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