conto HABANERA OU O CÂNCER de natanael gomes de alencar

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Jofre Éder entra naquele bosque à busca de uma sombra. Esquecera a sua espada enferrujada. 
Olha pra todos os lados. Cisma com uma árvore. Um tronco antigo e uma fresta grande aberta. Perto um automóvel.
Sente uma pontada. Uma dor de barriga. Um automóvel antigo e uma porta aberta. Um cheiro de nada toma o ar.
Sente duas pontadas. A mesma dor. Entra no automóvel. Fecha a porta. Um espelho. Pega-o com todo cuidado.
No espelho uma face de um homem que já morreu e reviveu muitas vezes. Uma caveira. A sua.
Leva a mão ao bolso da camisa. Um maço. Um só cigarro. Acende-o. Uma explosão. Depois, mais uma explosão.
Um câncer cerebral.
O homem permanece. Contempla o fogo que consome o carro. Que consome a si. Que consome a árvore próxima, de tronco antigo.
Um feitiço faz muito lançado o protege. Desde o berço. 
Seu pai botara fogo no berço querendo dar um fim à sua vida. Mas sua mãe já lançara o feitiço. Quando devorou a memória de seu pai, algo mudou dentro de si. À sua mãe, somente lambia. Sentia-lhe o suor na língua.
A consequência do feitiço foi perder a sua sombra. Que ele buscou no estacionamento.
Alguém lhe escrevera para ir lá. Na Rua Ximenes, nº 12. Deveria chegar num caminhão baú. Mas não conseguira encontrar um. Ligara para um amigo da Prefeitura. Uma pessoa simples e boníssima. Já fora vereador da cidade. Lembrava de uma vez há muito tempo em que esse homem lhe contara a sua história. 
Aos nove anos já fazia força na feira. Não tinha pai, nem mãe. Os perdera por volta dos três anos de idade. Falara de uma professora. Dona Eudóxia. Sem ela, não teria leitura.
Este amigo contou que tornara-se motorista. Tornou-se pedreiro. Tornou-se o melhor amigo do seu bairro. Chegou à vereança. 
Jofre o devorou. Era um devorador de memórias. Mas, por pena do motorista, e por estar doente, deixou-lhe a memória da infância.
O que faz depois da explosão do câncer? Sai do carro com o último cigarro à boca. E encontra a última coisa que esperava ver.  Zumbis demoníacos sem memória montados em galhos mortos.
Ainda está em fogo. Como o motoqueiro fantasma. Os zumbis lhe atacam. Porém, canta uma ária. Habanera. Se abaixa. E caga.
Quando acorda, lavam sua merda e vômito. Ainda nas cordas, o câncer finaliza-o com um gancho contundente.

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