Deitado de cócoras, envolto em penumbra, eu resisto a um poderoso ímpeto criativo. Sento sobre meus pés a fim de fazer descer o sangue que pesou minha cabeça. Eu me levanto e sento à escrivaninha. Eu não vou abrir o computador:
Usuário: Fausto Ramos
Senha: ***********
Eu não vou abrir o Word:
Fonte: Calibri.
Tamanho da Fonte: 12.
Tarde demais! Duas da
manhã e eu só queria aproveitar a maresia do sono, mas não posso. Shiva balança
seus braços dentro de minha cabeça, criando e destruindo mundos, orquestrando
uma tempestade nefasta. Heróis degolam monstros ferozes de várias cabeças,
enquanto ninfas encantam viajantes dos mares.
A Febre inunda meu ser.
Estou em um quarto fechado, com ar-condicionado, ventilador e ainda assim, meu
corpo ferve! Bem que eles me alertaram, e seu aviso nunca teve tanto
significado como agora:
_Ele é um tolo! É sim, inteligente, mas pensa que sabe
de tudo e se engana. Nossos corpos são quentes, mas aqui, sentimos frio. Se ele
não moderar o ritmo, vai acabar ficando louco!
Louco, eles disseram. Quão
conveniente. Louco me julgam ser, por minhas fantasias mirabolantes e crenças
absurdas. Ainda que eu não me importe minimamente com essas e outras opiniões que
debocham por aí. Louco? Por que não? Eu
já vivo tão distante da realidade dos que se dizem são. Será que com esse
atestado – o de insanidade - eu me abstenho dos deveres da normalidade?
Por todo esse tempo, eu brinquei de SER humano. É um disfarce enjoativo, eu
devo dizer. Por infortúnio ou acidente, às vezes eu tropeço comigo mesmo nessa
existência. Olho-me no espelho e não me reconheço. Quem é você? Quem é esse eu? Como eu vim parar aqui? De quem são essas
mãos? O que fiz para merecer o castigo de habitar semelhante prisão?
A quem eu devo bradar
injúrias, dessa vez? Foi você, Netuno, quem enviou ondinas para cantarolar
histórias antigas ao pé da minha cama? Ou foi Júpiter, provocando relâmpagos,
verdadeiros lampejos de Consciência, curtos-circuitos em minha delicada rotina
de professor?
E o que dizer da formosa Psique?
Por mim, ela passou por terríveis provações impostas pelo Amor, até que o Mundo
curvasse à sua beleza e lhe resgatasse dos mais terríveis infortúnios. Já a
torturei muitas vezes, injustamente, em nome de minhas paixões, sacrifiquei
noites de sono e reduzi-me à minha sombra perambulante.
Espere, não! Eu estou
perdendo o foco! A pergunta era: Quem será a causa de minha perturbação? Quem
ousou tirar o meu sossego, ao me desenterrar das profundezas de meus ossos e me
trazer para a luz do sol, exposto pela carne, pele, olhos e barba?
Que visão terrível! Não! Alguém
me tire daqui! Alguém, por favor, arranque as páginas daquele livro maldito e
queime com gasolina! Eu não queria lembrar quem sou apenas para encarar essa
carniça deteriorada, essa imagem perturbadora no espelho, a que todos chamam de
eu.
Quanto tempo disso resta?
Quantos anos mais?! Então foi pra isso que eu nasci? Deus, quantas vezes eu já disse, hoje, que eu te odeio?! Eu acho
que era só isso que eu tinha para Te dizer, hoje. Você entende, não é? É a minha
única saída. Ou eu vomito o veneno, ou ele me mata lentamente.
Já sinto o alívio – se é
que isso pode ser chamado de alívio. Desce uma nuvem cinza-escura, feito fumaça
de gelo seco, e derrama sobre a minha cabeça, se espalhando pelo quarto. Meu
corpo resfria, lentamente. É a febre passando (?).
A cabeça pesa, o sono
chama. Já posso até ensaiar um bocejo. Por um momento ali eu senti que...
Esquece. Melhor eu deixar pra lá. Não era nada (era?). Não vale de nada
(vale?). O causador da minha insônia resolveu puxar um ronco, enquanto isso, EU
me despeço com os olhos semiabertos.
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